sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Obama desarma racistas brasileiros

Presença de Barack Obama na presidência dos EUA tem efeito pedagógico "extraordinário", afirma Hédio Silva Jr.

Diego Salmen

Militante notório do movimento negro, o advogado e professor Hédio Silva Jr. comenta, nesta conversa com Terra Magazine, a posse de Barack Obama na presidência dos Estados Unidos. Para ele, a presença de Obama no cargo tem um efeito pedagógico "extraordinário".

- Com Obama, nós podemos, neste plano tão importante que é o simbólico, educar a humanidade para que aprenda definitivamente que os negros, como qualquer outro agrupamento humano, são capazes e criativos.

Ex-secretário de Justiça do Estado de São Paulo, Silva Jr. aponta outro benefício ao se ter um negro no comando da maior potência econômica e militar do planeta: a desarticulação de argumentos racistas no Brasil. Explica:

- Os americanos são tão racistas, conseguem eleger um presidente negro; aqui, onde não há racismo, não se elege um prefeito - ironiza. - Desse ponto de vista, tem um impacto real na luta contra o racismo no Brasil.

Confira a seguir a entrevista com Hédio Silva Jr.:

Terra Magazine - Qual o impacto da eleição de Obama para o movimento negro como um todo?
Hédio Silva Jr. -
É um impacto extraordinário, não só em termos da diáspora africana e da população negra, mas também dos diferentes grupos que são vítimas de discriminação. As democracias contemporâneas foram incapazes de preparar as pessoas para valorizar a diversidade. Veja que no dia 11 de fevereiro de 2001 encerrou-se a última conferência da ONU contra o racismo. E a conferência perdeu importância, obviamente, por conta dos atentados ao World Trade Center. Agora, passados oito anos, o mundo volta os olhos para o aparentemente interminável conflito árabe-israelense. Então um dos grandes problemas da humanidade neste século 21, que começou no 11/9, é a questão da diversidade. O Obama representa essas novas identidades políticas. É só ver as preocupações, na posse, com homossexuais, com grupos religiosos… É um alento o fato de que uma pessoa que encarna a diversidade seja a grande esperança do mundo no século 21.

Então nesse sentido a eleição de Obama transcende essa questão da raça…
Transcende no sentido de que, como negro, como vítima de discriminação, ele está perfeitamente preparado para captar o impacto que isso tem na vida das pessoas e dos outros. Está muito nítido agora na posse e estará presente na forma como ele vai tocar o governo.

A eleição dele é um sinal de fim do racismo nos Estados Unidos ou ainda estamos longe disso?
É um passo importante contra o racismo, é uma vitória significativa dessa luta, mas em absoluto significa o fim do racismo. São Paulo já teve um prefeito negro e isso não alterou em absolutamente nada as condições raciais e a intolerância. Eu não creio (que seja o fim do racismo), mas que é um passo significativo, sem dúvida.

Obama evitou fazer uma campanha calcada em questões raciais. Justamente por isso, o senhor acha que ele dará atenção especial a essa questão da negritude?
O problema do racismo é uma questão nacional nos Estados Unidos, e é um dos problemas - como outros graves que ele terá de enfrentar. Agora, a questão do racismo tem merecido por parte dos diferentes governos, desde Kennedy, medidas ousadas. E não é um problema que se resolve por decreto ou em uma gestão. Eu não tenho nenhuma dúvida de que ele vai dar prosseguimento a essas políticas, do ponto de vista da legislação, do governo norte-americano e por parte dos incentivos do setor privado, que existiam muito antes da posse dele, e vão continuar existindo depois que ele sair do governo.

O presidente Lula disse que gostaria de conversar com Obama antes "que o aparato do Estado" da Casa Branca o transformasse. O senhor acha que Obama irá se transformar?
Eu não temo isso, não, se você considerar os dados preparatórios da posse, o discurso que ele fez no memorial Lincoln, a presença de figuras negras de ponta como oradores nas cerimônias de posse e o fato dele indicar o Martin Luther King como um de seus dois grandes símbolos. Certamente que o presidente de uma nação como os Estados Unidos não tem como fazer que prevaleçam pontos de vista pessoais e paixões acima dos interesses da nação. Mas que ele irá passar por cima da história dele por conta do poder… Eu não tenho nenhuma dúvida de que ele não fará isso. Quem lê os livros dele com atenção, quem viu o discurso da vitória e quem está acompanhando a posse sabe muito bem que o homem negro que prega a crítica ao racismo, que prega a tolerância e a diversidade, é esse o homem que vai estar na Casa Branca.

E se Obama decepcionar durante sua presidência?
Eu creio que não. Do ponto de vista simbólico, qualquer que seja o desfecho…. Eu não tenho nenhuma dúvida que ele enfrentará com grandeza essa crise e mostrará a vocação que a África tem para produzir estadistas, como foi Nelson Mandela. Ele vai ser um estadista e vai retomar a trilha do desenvolvimento interno. Agora, mesmo que haja frustração, no plano simbólico a presença dele lá tem um significado muito forte; eu tenho certeza que as lideranças políticas do movimento contra o racismo compreenderão que não é porque se tem um negro no poder que será possível atender a todas as demandas (do movimento negro). Mas, obviamente, não é a panacéia, não é a solução.

De que maneira o movimento negro no Brasil encarou a eleição de Obama?

O Brasil está preparado para eleger um presidente negro?
Eu creio que sim. Nós já temos nosso Obama brasileiro, que certamente já nasceu e está cimentando um futuro para isso. Eu sou otimista em relação ao Brasil.

Foi uma surpresa positiva. Primeiro porque parte dos racistas brasileiros, que sempre utilizavam os EUA como muleta para dizer que lá, sim, era um exemplo de racismo e aqui não, perderam esse argumento. Os americanos são tão racistas, conseguem eleger um presidente negro; aqui, onde não há racismo, não se elege um prefeito. Desse ponto de vista, tem um impacto real na luta contra o racismo no Brasil. Depois, o fato de que a história contemporânea conhece poucos estadistas; um dos maiores do século 20 foi o presidente Mandela. E agora, com Obama, nós podemos, neste plano tão importante que é o simbólico, educar a humanidade para que aprenda definitivamente que os negros, como qualquer outro agrupamento humano, são capazes e criativos. Tem um efeito pedagógico extraordinário

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