segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Posted by Picasa

Manuel Querino defendia o negro, mas considerava-se um "mestiço".

domingo, 2 de dezembro de 2007

"Escotilha de fuga" ou armadilha?

Em 1971, o historiador norte-americano Carl Degler chegou à seguinte conclusão:*

"O ponto relevante é que a 'escotilha de fuga' do mulato...acabou inibindo o avanço dos negros como um grupo [no Brasil]...; o que já foi uma desvantagem [a ausência da ‘escotilha de fuga’] torna-se, em outras circunstâncias, um ganho para o negro nos Estados Unidos, mas justamente o contrário no Brasil. A virulência histórica e profunda do racismo norte-americano serviu para unir os negros, que formaram uma força social efetiva, enquanto a ambigüidade da divisão entre cor e classe no Brasil deixou os negros sem união e sem líderes".

Portanto, eis a questão: Será que Manuel Querino foi vítima da "escotilha de fuga" (segundo alguns estudiosos, uma verdadeira armadilha) que fechava-se para o afrodescendente que se recusava a ignorar ou suprimir seu legado e ancestralidade africanos para ser aceito pela sociedade "branca"?

*Em Neither Black nor White: Slavery and Race Relations in Brazil and the United States (Nem Preto Nem Branco: Escravidão e Relações Raciais no Brasil e nos Estados Unidos, Rio de Janeiro: Editorial Labor do Brasil, 1976)

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Apresentação sobre Querino em Nova Orleans

Os organizadores do IX Congresso da Brasa (Brazilian Studies Association) convidaram Sabrina Gledhill a participar de um painel durante o evento, com a apresentação de seu trabalho sobre a vida e a obra de Manuel Querino. O congresso será realizado na Universidade de Tulane em Nova Orleans em março de 2008. Para mais informações, acesse o site do Brasa IX

Publicação online de artigo sobre Querino

O artigo "Manuel Querino: Um Pioneiro e Seu Tempo", de Sabrina Gledhill, está disponível online. Para visualizar e efetuar o download do arquivo em PDF, clique aqui
Este artigo foi produzido para acompanhar a edição da obra completa de Manuel Querino, um projeto que continua no sonho. Espero que a divulgação de mais informações sobre Querino ajude a concretiza-lo.

domingo, 6 de maio de 2007

Ação Afirmativa - a polêmica continua

Curioso como as elites ainda têm tanto interesse em manter a população afro-descendente fora das universidades brasileiras...parece que ainda estamos no século XIX, quando Manuel Querino "não foi diplomado (em arquitetura pela EBA) em virtude de não ter sido lecionada uma das cadeiras do 3o ano" (Antônio Viana).


Jornal A Tarde 06/05/2007 - 11:13
Intelectuais lançam livro contra política de cotas
Agencia Estado

A poucos dias da celebração do Dia da Abolição da Escravatura, os projetos de lei que criam cotas raciais nas universidades federais e o Estatuto da Igualdade Racial voltam a ser atacados por intelectuais, desta vez em forma de livro. "Divisões Perigosas: Políticas Raciais no Brasil Contemporâneo", recém-lançado pela Editora Record, reúne artigos, assinados por historiadores, antropólogos, geneticistas, educadores - todos abertamente contrários aos dois projetos que tramitam no Congresso.

A tônica principal dos artigos é que os projetos propostos instauram legalmente o racismo no Brasil, a pretexto de combatê-lo. Os organizadores da coletânea são a socióloga Bila Sorj, a antropóloga Yvonne Maggie - ambas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - e o militante José Carlos Miranda, do Movimento Negro Socialista. Em junho passado, eles viajaram a Brasília para entregar aos presidentes do Senado e da Câmara uma carta pública, com críticas à Lei de Cotas e ao Estatuto.

Yvonne explica que o livro reúne autores de posições políticas e ideológicas diferentes, de áreas de pesquisa diversas, mas todos com uma posição comum: a crítica à racialização que estaria em curso no País. "É uma tomada de posição frente a políticas públicas contemporâneas que podem comprometer o projeto jurídico e a idéia de nação que estamos construindo há quase 150 anos", diz a antropóloga.

Entre os 34 autores do livro estão o geneticista Sérgio Pena, o economista Carlos Lessa, a antropóloga Eunice Durham, o poeta Ferreira Gullar, o historiador José Murilo de Carvalho, o sociólogo Simon Schwartzman e o jornalista Luiz Nassif. O prefácio é do cientista político Bolívar Lamounier. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
clique aqui Para acessar uma réplica contundente às idéias apresentadas neste e outros livros e artigos (principalmente, o livro Não somos racistas, de Ali Kamel) - uma resenha da autoria de Paula Miranda-Ribeiro, titulada "Somos Racistas".

sexta-feira, 20 de abril de 2007

"A Linguagem Escravizada"

"Ainda que marginal, é antiga a consciência nas ciências sociais brasileiras da necessidade de superar o conteúdo historicamente determinado da linguagem categorial para descrever, desvelar e explicar os referentes essenciais que determinaram o nascimento ou o condicionamento dos signos lingüísticos. Manuel Querino foi um dos pioneiros dessa investigação".

Leia na íntegra este interessante artigo da autoria de Florence Carboni e Mário Maestri, publicado online na revista Espaço Acadêmico

terça-feira, 17 de abril de 2007

Artigo sobre Querino

Manoel Querino e a formação do “pensamento negro” no Brasil, entre 1890 e 1920.
Antonio Sérgio Alfredo Guimarães
Departamento de Sociologia - USP
Resumo:
Nessa comunicação apresento os elementos constituintes do pensamento político de um intelectual que foi de fundamental importância para a formação da identidade negra no Brasil: Manuel Querino (1853-1923). Utilizo como pano de fundo uma comparação implícita entre intelectuais negros no Brasil e nos Estados Unidos, enfatizando especialmente a posição social e a integração de intelectuais negros nos dois contextos nacionais: o brasileiro e o norteamericano.

Leia na íntegra aqui (em PDF)

Enfrentando preconceito


"Quantas vezes (Manuel Querino) deve ter ouvido a frase feita e ainda corriqueira: ‘este negro não se enxerga!’ As reivindicações a favor dos irmãos de raça haviam de trazer-lhe simpatia e desafetos; mais desafetos...".
-- Frederico Edelweiss

Comparado com Booker T Washington


Booker T. Washington (1856-1915)

De acordo com o pesquisador norte-americano David Brookshaw, Manuel Querino tentou “aparar o golpe do proeminente etnólogo Nina Rodrigues, defendendo os negros e exaltando suas qualidades(...). Querino, poder-se-ia acrescentar, estava particularmente interessado na reabilitação do mestiço urbano alfabetizado; de aspirações pequeno-burguesas, e seu papel pode ser comparado ao de Booker [T] Washington nos Estados Unidos, de quem era fervoroso admirador” (p. 55).

Poucos brasileiros conhecem a história de Booker Taliaferro Washington
. Filho de pai branco e mãe negra, nasceu escravo e conseguiu uma instrução superior depois da Abolição nos Estados Unidos (1865) - na Universidade de Hamilton e no Seminário Weyland - tornando-se um educador, autor e líder da comunidade afro-americana. Foi criticado por WEB DuBois e outros líderes da NAACP (Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor) porque Washington preferia evitar uma confrontação com os brancos e seria mais interessado numa "acomodação". Washington respondeu que, uma vez que os negros estavam na minoria nos EUA, o melhor caminho seria aliarem-se com os brancos que simpatizassem com sua causa. Compartilhava com Manuel Querino a filosofia que uma boa instrução é o caminho para um bom futuro individual e coletivo.
A autobiografia de Booker T Washington está disponível online, em inglês.

BROOKSHAW, David. Raça e côr na literatura brasileira, traduzido por Marta Kirst. Porto Alegre: Série Novas Perspectivas 7, 1983.
WIKIPEDIA (verbete em inglês), "Booker T Washington"

segunda-feira, 2 de abril de 2007

"Colecionador de desafetos"

Segundo a pesquisadora brasileira Wlamyra Ribeiro de Albuquerque, "A Manoel Querino comumente é atribuída a pecha de imprevidente nas palavras e atitudes; um colecionador de desafetos". Segue um caso que ilustra esta fama: Querino era membro da Sociedade Protetora dos Desvalidos, uma associação criada em1832 pelo africano livre e ganhador Manoel Victor Serra para construir um fundo inicialmente dirigida à compra de alforria de seus irmãos escravizados e, principalmente após a Abolição, para a proteção dos inválidos e idosos - uma versão pioneira dos atuais fundos de previdência privada. De acordo com a pesquisadora norte-americana Kim D. Butler, no livro Freedoms Given, Freedoms Won, as relações entre Querino e esta sociedade nem sempre baseavam-se na "bondade fraterna" (p. 164). Depois de pedir para sair da sociedade (não sabemos os motivos), Querino solicitara sua reintegração em 1892. Este pedido foi rejeitado por uma votação de cinco contra um. Querino recusou-se a aceitar esta decisão, mas uma segunda votação teve o mesmo resultado. Finalmente foi reintegrado em 1894. Em 1896, Querino solicitou uma pensão de invalidez, mas a Mesa resolveu suspender os pagamentos quando constatou que o "inválido" foi visto em procissões, casamentos e passeios, comprovando seu perfeito estado de saúde. Entretanto, um dos diretores alertou que Querino poderia utilizar sua influência no governo para suspender o subsídio da sociedade. Seja qual for o motivo, este subsídio realmente foi suspenso. Alguns anos depois, quando Querino - já com 74 anos* - solicitou uma pensão de aposentadoria, seu pedido foi negado (Ibidem, p. 165).

Na análise de Butler, o caso do embate entre Querino e a Sociedade Protetora dos Desvalidos levanta questões interessantes sobre a liderança e estratégias políticas na comunidade afro-brasileira. De acordo com a pesquisadora norte-americana, Querino estaria numa excelente posição política e social para prestar apóio à Sociedade - além de ser pesquisador e político, era um dos poucos brasileiros a se qualificar como eleitor. Mesmo assim, por motivos políticos ou pessoais, a Sociedade não procurou beneficiar-se de sua influência.

Apesar de seu prestígio e influência, Querino morreu pobre. Hoje, a Sociedade Protetora dos Desvalidos mantem o Centro Cultural Manuel Raimundo Querino, criado em sua homenagem.

*(OBS. Uma vez que faltam documentos para comprovar a data de nascimento de Querino, não sabemos se a idade com que teria solicitado uma aposentadoria da Sociedade dos Desvalidos era real ou fictícia)


ALBUQUERQUE, Wlamyra Ribeiro de. Esperanças de Boaventuras: Construções da África e africanismos na Bahia (1887-1910). Estud. afro-asiát. [online]. 2002, vol. 24, no. 2 [citado em 2007-04-02], pp. 215-245. Disponível em: . ISSN 0101-546X. doi: 10.1590/S0101-546X2002000200001
BUTLER, Kim D. Freedoms Given, Freedoms Won: Afro-Brazilians in Post-Abolition São Paulo and Bahia. New Brunswick and London: Rutgers University Press, 2000, P. 164-165.

domingo, 1 de abril de 2007

O mundo do estudioso negro

John Hope Franklin
"O mundo do estudioso negro é de uma solidão sem conta. Ele deve, de alguma maneira, buscar a verdade nesta vereda solitária, enquanto certifica-se que suas conclusões são validadas pelos padrões universais desenvolvidos e mantidos por aqueles que, por muitas vezes, deixam de reconhecê-lo".
-- John Hope Franklin (1963)




Personagem amadiano

A disputa entre Nilo Argolo (inspirado em Nina Rodrigues) e Pedro Archanjo é o cerne do enredo do romance Tenda dos Milagres. Segundo Jorge Amado: “[Pedro Archanjo] é a soma de muita gente misturada: o escritor Manuel Querino, o babalaô Martiniano Eliseu do Bonfim, Miguel Santana Obá Aré, o poeta Artur Sales, o compositor Dorival Caymmi e o alufá Licutã (da revolta dos Malês) - e eu próprio, é claro”.


Manuel Querino foi imortalizado por Jorge Amado, sendo uma das personagens da vida real que inspiraram o escritor a criar o protagonista de Tenda dos Milagres, Pedro Archanjo. O romance também leva na folha de rosto esta frase do ilustre pesquisador baiano: "O Brasil tem duas grandezas reais: a uberdade do solo e o talento do mestiço". Segundo o historiador e brasilianista E. Bradford Burns: "Existem evidências de que alem de escrever sobre os Afro Brasileiros, Querino tambem ajudava a defendê-los. Chamou a atenção dos oficiais municipais às perseguições existentes aos praticantes das religiões Afro Bahianas. A polícia, rotulando essas religiões como bárbaras e pagãs, frequentemente apareciam nos terreiros onde haviam as cerimônias destruindo propriedades e ferindo os participantes. A intervenção de Querino defendendo esta comunidade junto ao govêrno local revelou mais uma vez sua realização original em criar uma ponte entre culturas e classes sociais diferentes". (tradução encontrada no site da Brazilianmusic). De acordo com a folclorista Hildegardes Vianna, Querino era "de santo", mas não permitiu que seus filhos "se metessem em candomblé, porque era uma vergonha ser filho-de-santo" (In NÓBREGA, Cida e ECHEVERRIA, Regina. Mãe Menininha do Gantois: Uma biografia. Salvador: Editora Corrupio, 2007, p. 36). Isto reflete uma das profundas contradiçoes que marcaram a vida e a obra de Manuel Querino.

sexta-feira, 30 de março de 2007

Obra (in)completa

Manuel Querino criou dois jornais e escreveu livros didáticos antes de dedicar-se às pesquisas que tornariam-no conhecido e reconhecido nos meios acadêmicos. Vários artigos de sua autoria estão desaparecidos. Segue uma relação de suas obras principais:
  • Desenho linear das classes elementares (s.d.);
  • Elementos de desenho geométrico (s.d.);
  • Artistas baianos, Rio de Janeiro, 1909;
  • As artes na Bahia, Salvador, 1909;
  • Bailes pastoris, Salvador, 1914;
  • A raça africana e os seus costumes na Bahia”, In Anais do V Congresso Brasileiro de Geografia, Salvador, 1916;
  • A Bahia de outrora, Salvador, 1916;
  • O colono preto como fator da Civilização Brasileira, Salvador, 1918;
  • A arte culinária na Bahia, Salvador, 1928.

quinta-feira, 29 de março de 2007

Cronologia


1851 Em 28 de julho, nasce em Santo Amaro da Purificação Manuel Raimundo Querino, filho (possivelmente adotivo) de pais livres - o carpinteiro José Joaquim dos Santos Querino e Luzia da Rocha Pita
1855 Epidemia de cólera morbus deixa Manuel Querino órfão; Prof. Manoel Correia Garcia – educador, deputado do Partido Liberal e pesquisador de História – é nomeado seu tutor
1865 Começa a Guerra da Tripla Aliança contra o Paraguai; Manoel Correia Garcia é fundador do Instituto Histórico Provincial
1868 Enquanto viaja pelo Nordeste à procura de oportunidades, MQ é recrutado no Piauí, mas “Graças à boa letra, à formação intelectual e ao porte físico franzino, Querino é designado para ficar na escrita do batalhão” (Correio da Bahia) no Rio, chegando a Cabo de Esquadra
1870 Fim da Guerra da Tripla Aliança
1871 Lei do Ventre Livre; MQ volta para a Bahia, desmobilizado graças ao seu padrinho, o Conselheiro Manuel Pinto Sousa Dantas, líder do Partido Liberal da Província da Bahia; MQ começa a trabalhar como pintor e decorador na Bahia e se envolve na política
1872 Freqüenta o Liceu a noite, estudando humanidades com distinção em francês e aprovação plena em português
1874 Já com 23 anos, ajuda a estabelecer a Liga Operária Baiana
1876 Início de sua trajetória política; Liga Operária Baiana criada em 26 de novembro
1877 MQ participa da criação e instalação da Escola de Belas Artes como aluno fundador, seguindo seu mestre, Miguel Navarro y Cañizares, quando este se desentende com o Liceu
1881/84 Estuda na Escola de Belas Artes
1882 Diploma-se em desenho industrial.
1883 Matricula-se no curso de arquitetura, Modelos de casas escolares adaptadas ao clima do Brasil apresentados ao Congresso Pedagógico do Rio de Janeiro, acompanhados de desenhos explicativos
1885 Ensina desenho geométrico no Liceu de Artes e Ofícios da Bahia e no Colégio de Órfãos de São Joaquim; torna-se sócio benemérito do Liceu; junta-se aos abolicionistas Frederico Marinho de Araújo, Eduardo Carigé e outros.
1887/88 MQ funda o jornal A Província
1888 Lei Áurea decreta, em 13 de maio, o fim da escravidão no Brasil
1888/95 Funcionário público – Departamento de Obras; projeta as bondes de Salvador
1889 Declaração da República
1890/91 Primeiro mandato de MQ como vereador
1892 MQ funda o jornal O Trabalho
1894 Morre, em janeiro, o Conselheiro Dantas; Fundação do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, do qual MQ é sócio fundador
1896 Trabalha no Departamento de Agricultura até se aposentar em 1916
1897/99 Segundo mandato como vereador
1899 Deixa a política e se dedica ao estudo da história, cultura e folclore da Bahia e do africano no Brasil
1900 Faz parte da diretoria do grupo carnavalesco "Pândegos da África"
1903 Publicação de Desenho linear das classes elementares, "mandado admitir nas escolas por deliberação do Conselho Municipal da Capital" (Artistas Baianos, 2a ed., 1911, p. 148).
1906 Morre o "malogrado professor" Nina Rodrigues.
1909 Lançamento de Artistas bahianos e As artes na Bahia
1911 Elementos de desenho geométrico e a segunda edição de Artistas bahianos
1913 Segunda edição de As artes na Bahia
1914 Bailes pastoris
1916 Aposentadoria administrativa do Departmento de Agrigultura. Lançamento dos livros A Bahia de outrora e A raça africana e os seus costumes na Bahia
1918 “O colono preto como fator da civilização brasileira”
1922 Segunda edição de A Bahia de outrora
1923 A Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (no. 48) publica um artigo da autoria de Prof. Manoel Querino, intitulado "Os homens de cor preta na História"
Manuel Querino morre no dia 14 de fevereiro, deixando a viúva, Laura (sua esposa em segundas núpcias) e dois filhos vivos.
1928 A arte culinária na Bahia; 13 de maio, o IGHB coloca seu retrato na galeria de honra, junto com o retrato de Nina Rodrigues.
1932 Lançamento de Os africanos no Brasil, obra póstuma de Nina Rodrigues.
1938 Artur Ramos republica as principais obras de MQ no livro Costumes Africanos no Brasil.
1969 Jorge Amado lança o romance Tenda dos Milagres.
2006 Uma pesquisadora constata que o retrato de MQ foi removido da galeria do IGHB

Biografia

Verbete produzido em 2006 para o Dicionário Biográfico e Histórico da Bahia, da Fundação Pedro Calmon, projeto coordenado por Prof. Dra. Consuelo Novais Sampaio


Nascido na cidade de Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo baiano, provavelmente a 28 de julho de 1851, Manuel Raimundo Querino era filho do carpinteiro José Joaquim dos Santos Querino e Luzia da Rocha Pita, ambos negros livres que faleceram durante a epidemia de cólera que flagelou a região em 1855 (CALMON). Uma cidade relativamente populosa e o maior centro de produção de açúcar da Bahia, Santo Amaro ficou quase despovoada. Estima-se que, ao todo, 25 mil vidas foram ceifadas na província inteira (TAVARES, p. 273).

Levado à capital, o menino foi entregue a um tutor, o Bacharel Manuel Correia Garcia, pelo Juiz dos Órfãos – possivelmente seu futuro padrinho, o Conselheiro Manuel Pinto de Souza Dantas, que exerceu este cargo em Santo Amaro e Salvador antes de tornar-se o chefe do Partido Liberal e Primeiro Ministro do Brasil, entre outros cargos eminentes.

Segundo Antonio Viana, num discurso proferido na ocasião da inclusão de um retrato de Querino na galeria de honra do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia em 1928, Manuel Correia Garcia era “um espírito elucidado, educado na Europa, cultor das letras e amante das coisas do ensino”. Professor aposentado, político, jornalista e advogado, foi deputado pelo Partido Liberal, praticava o Espiritismo e era Doutor em Filosofia pela Universidade de Tubinga, na Alemanha. Enviado pelo Governo da Província para graduar-se na Escola Normal de Paris, junto com o futuro diretor da Escola Normal da Bahia, João Alves Portela, voltou habilitado para organizar uma escola para professores e todo o sistema de ensino primário na província em 1842. Passou a lecionar Aritmética, Desenho Linear e Caligrafia na Escola Normal mas foi dispensado de sua cadeira em 8 de junho de 1847 (NUNES). Também foi o principal fundador do antigo Instituto Histórico da Bahia em 1855 ou 1856 (CALMON; WANTUIL).

Ao invés de criar Querino para ser um serviçal, como era de costume, Correia Garcia “Procurou encaminhar o tutelado nos trabalhos mentais e conseguiu incutir-lhe a paixão do estudo, o amor aos livros que havia de acompanhá-lo até o túmulo” (VIANA, p. 306). Mesmo assim, o único futuro que previa para o jovem era nos trabalhos manuais, como operário e artesão, portanto: “Deu-lhe também um meio prático de viver, mandando-lhe ensinar a arte de pintar” (ibidem). Entretanto, as aspirações geradas no ambiente de cultura e aplicação aos estudos em que viveu no lar do Bacharel levaram Querino muito além: seguiria o exemplo de seu tutor, não somente no magistério, mas também na política e na pesquisa histórica e antropológica.

Em 1868, já um “homem feito” com 16 ou 17 anos, resolveu tentar a sorte em Pernambuco e viajou para lá em companhia de um sobrinho de Manuel Correia Garcia, seguindo mais tarde para o Piauí. Mas os ventos bélicos que assopravam na época o levaram para o sul. A Tríplice Aliança formada por Brasil, Argentina e Uruguai declarou guerra contra o Paraguai em 1865. Querino foi recrutado nos sertões do Piauí e enviado para treinamento no Rio. Depois, como milhares de outros recrutas e voluntários da pátria, teria seguido à frente da guerra. Felizmente, sua inteligência e cultura e o fato de ser letrado – uma qualificação rara numa época em que em torno de 85% da população livre era analfabeta – mudaram seu destino. Ficou no Rio de Janeiro para trabalhar na escrita de seu batalhão e foi promovido a cabo de esquadra em março de 1870. Quando a guerra terminou no mesmo ano, foi desmobilizado em outubro, graças à influência de seu padrinho, o Conselheiro Dantas.

De volta à Bahia em 1871, depois de sua única experiência fora de sua terra natal, dedicou-se aos estudos, trabalhando como pintor e decorador, de dia, e estudando humanidades à noite. Cursou o francês e a “língua vernácula” no Colégio 25 de Março. Depois, foi um dos primeiros alunos do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia (inaugurado em 1872), trabalhando como artesão de dia e estudando humanidades à noite. Fez exames em francês e português no Liceu, recebendo “aprovação distincta” na primeira disciplina e aprovação plena em português (VIANA p. 307). Quando seu professor e mentor, o artista plástico espanhol Miguel Navarro y Cañizares, deixou o Liceu e criou a Escola de Belas Artes em 1877, Querino o seguiu, sendo contratado como pintor durante a fase de construção e tornando-se aluno fundador desta instituição (SILVA, p. 233). Diplomou-se em 1882, no curso de desenhista e, no mesmo ano, foi nomeado membro do júri da exposição da EBA. Querendo completar o curso, matriculou-se na aula de arquitetura. Foi aprovado com distinção no segundo ano, mas não chegou a se formar. Segundo Antonio Viana, “não foi diplomado em virtude de não ter sido lecionada uma das cadeiras do 3o ano” (p. 307). Licenciado como professor de desenho, lecionou no Colégio de Órfãos de São Joaquim e no Liceu – sendo nomeado lente de desenho geométrico em 1885 e agraciado com o diploma de sócio benemérito pela assembléia geral.

Como decorador, designer e artista plástico, produziu obras que receberam menção honrosa e medalhas de prata da EBA e medalhas de bronze, prata e outro nos concursos do Liceu. Em 1883, concorreu a um “Plano de Casas escolares, adaptadas ao clima do Brasil” com um projeto acompanhado de um memorial explicativo (VIANA). Também foi funcionário público, exercendo vários cargos na Diretoria de Obras Públicas e depois na Secretaria de Agricultura (ALVES).

Na vida política, demonstrou solidariedade com seu tutor e seu padrinho, além de seus irmãos de cor, em engajar-se às causas do Partido Liberal – o republicanismo e o abolicionismo. Em 1 de agosto de 1878, assinou o Manifesto Republicano. Embora não tenha chegado à eminência dos líderes da campanha abolicionista, entre eles Rui Barbosa e José do Patrocínio, Querino ingressou na Sociedade Libertadora Baiana e escreveu artigos publicados na Gazeta da Tarde, tentando sensibilizar o público sobre as injustiças da escravidão. Abolicionista militante, trabalhou lado a lado com Frederico Marinho de Araújo e Eduardo Carigé, entre outros. Diferente de muitos de seus correligionários, acreditava que a desigualdade entre negros e brancos devia-se apenas à falta de oportunidades para os primeiros. Portanto, defendia a abolição seguida pela preparação dos ex-escravos para o mundo do trabalho assalariado porque, baseando-se na sua própria experiência, estava convicto de que o ser humano não podia evoluir sem a educação. Infelizmente, para seu tremendo desgosto, isto não se concretizou.

Jornalista militante antes e depois da proclamação da República, Querino criou e comandou dois jornais para defender as causas da Abolição e dos operários, respectivamente: A Província (1887-1888) e O Trabalho (1892).

Sendo trabalhador e artesão, Querino se preocupava com os direitos da classe operária ainda em tempos de escravidão, quando a população livre e assalariada estava em franca minoria. Naquela época o mercado de trabalho era controlado por arrematantes de obras que monopolizavam as construções e ditavam os salários. Primeiro, a Liga Operária Baiana foi formada em 1875 para garantir salários dignos aos trabalhadores. Segundo seu biógrafo José Teixeira Barros: “ninguém se empenhou tanto pelo levantamento das artes, na Bahia, como Manuel Querino e nenhum outro artista propugnou, com tamanha veemência, a união da classe operária de modo que viesse a constituir uma força, uma vontade, um poderoso elemento de ação, no seio da coletividade. O seu maior ideal era arredar o artista da tutela da política, que tudo avassala, torná-lo independente e autônomo” (QUERINO, p. 6). A Liga foi extinta e descaracterizada devido à interferência de políticos que, “valendo-se do prestígio do poder e das promessas de efêmeras vantagens tiveram a sagacidade de abolir a nobre ambição do artista” (idem, ibidem). Quinze anos depois, o Partido Operário se organizou em 1890, comandado por um Diretório presidido por Gonçalo José Pereira Espinheira, com o lema: “Com ordem, firmeza e trabalho, chegaremos ao termo de nossas aspirações”. A diretoria do partido tinha nove membros, entre eles, Manuel Querino. (CALMON).

Candidatou-se a Deputado Federal pelo Partido Operário em 1890 e foi eleito delegado da classe no Congresso Operário Brasileiro no Rio de Janeiro. Entretanto, esta “agremiação partidária composta somente de trabalhadores, funcionando disciplinadamente” despertou novamente os temores da elite, principalmente os patrões e industriais. Intimidado, Gonçalo Espinheira anunciou que o movimento “não cogitava a política” (CALMON) e o partido foi rebatizado como Centro Operário da Bahia. Segundo Jorge Calmon, em seu opúsculo titulado “Manuel Querino, o Jornalista e o Político”: “Adepto da aproximação dos trabalhadores, incentivador do ensino profissional, Manuel Querino há de ter aprovado calorosamente esta solução. Fora a menos pior”.

Sua campanha jornalística e a capacidade de liderança demonstrada na frente do Partido Operário valeram-lhe a nomeação de membro ou “Intendente” do Conselho Municipal, a primeira legislatura municipal da cidade do Salvador, em 1890 ou 1891 (VIANA, p. 308; CALMON). Segundo Jorge Calmon, “terá sido nomeado, entre 1890 e 1891, para suceder a um dos ‘Intendentes’ inicialmente escolhidos pelo Governador do Estado[...]”. Voltou a ser Conselheiro Municipal em 1897 como primeiro suplente convocado, “substituindo Dr. Deocleciano Ramos, que renunciara ao mandato”. Perdeu a eleição para suprir a vaga deixada pela renúncia, mas permaneceu no Conselho até 26 de dezembro de 1899. No mesmo ano, renunciou à política devido às represálias dos “poderosos da ocasião” (CALMON).

Depois de deixar a vida política, desiludido, Manuel Querino se dedicou ao trabalho pelo qual é mais lembrado: uma série de pesquisas que é de fundamental importância para a história das artes plásticas no Brasil, a historiografia brasileira em geral e a formação da identidade negra neste país. Foi o único intelectual de sua época a valorizar a contribuição africana à civilização brasileira, teve um papel fundamental no resgate e documentação das contribuições dos africanos e seus descendentes ao desenvolvimento do Brasil e preservou um considerável montante de informações sobre as artes, artistas e artesões da Bahia. Outrossim, forneceu abundantes dados sobre os costumes, cultura e religião dos africanos e seus descendentes.

Publicou, entre outros títulos: Artistas baianos (1909); As artes na Bahia (1909); Bailes pastoris (1914); “A raça africana e os seus costumes na Bahia”, In Anais do V Congresso Brasileiro de Geografia (1916); A Bahia de outrora (1916) e O colono preto como factor da Civilização Brasileira (1918). Também produziu dois livros didáticos: Desenho linear das classes elementares e Elementos de desenho geométrico. Sua obra mais conhecida no Brasil, A arte culinária na Bahia, foi lançada em 1928, cinco anos depois de sua morte. O livro ilustrado Costumes africanos no Brasil (Rio de Janeiro, 1938), organizado por Artur Ramos, reúne vários trabalhos de sua autoria.

De acordo com o pesquisador norte-americano David Brookshaw, Manuel Querino tentou “aparar o golpe do proeminente etnólogo Nina Rodrigues, defendendo os negros e exaltando suas qualidades(...). Querino, poder-se-ia acrescentar, estava particularmente interessado na reabilitação do mestiço urbano alfabetizado; de aspirações pequeno-burguesas, e seu papel pode ser comparado ao de Booker Washington nos Estados Unidos, de quem era fervoroso admirador” (p. 55).

Certamente uma das maiores contribuições de Querino à historiografia brasileira foi sua insistência para que a História Nacional levasse em consideração suas raízes africanas e a presença e influência dos africanos. O Brasil, ele enfatizava, era o resultado da fusão entre portugueses, índios e africanos, mas a contribuição dos africanos estava sendo menosprezada. Ele ratificou estas contribuições em seu livro O colono preto como factor da Civilização Brasileira. Por exemplo, Querino determinou o afro-brasileiro como personagem principal na defesa do Brasil e na manutenção da integridade nacional.

Ao voltar sua atenção para a História, Querino esperava re-equilibrar a ênfase tradicional da experiência européia no Brasil. Nenhum afro-brasileiro havia até então dado sua perspectiva da História do Brasil. Querino surgiu como o primeiro brasileiro a detalhar, analisar e fazer justiça às contribuições africanas ao seu País. Apresentou suas conclusões em meio a um clima de opinião que era na melhor das hipóteses indiferente, e na pior racista e até hostil. Desmentiu o racismo pseudocientífico de Arthur de Gobineau e Nina Rodrigues e utilizou o Darwinismo Social para seus próprios fins: mesmo acreditando que os africanos fossem “não evoluídos”, ele viu no seu próprio exemplo e o de outros eminentes baianos negros cujas vidas registrou, que, quando o afrodescendente é respeitado e devidamente instruído, sua evolução social e econômica é garantida.

Seria difícil exagerar a importância da contribuição de Manuel Querino à valorização da imagem do negro no Brasil. Na sua época, era uma voz solitária. Um negro que conquistou um lugar no meio da elite branca, tentou utilizar sua posição para divulgar uma mensagem que nenhum de seus contemporâneos – negro ou branco – podia proferir. Segundo o historiador norte-americano E. Bradford Burns, “Seus estudos tinham dois objetivos. Por um lado, Querino queria mostrar a seus irmãos de cor a contribuição fundamental que deram ao Brasil; e por outro ele desejava lembrar aos brasileiros de origem européia da dívida que tinham, e têm, com a África e com os afro-brasileiros” (1974, p. 82).

Foi Membro Fundador e depois Honorário do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia – IGHB, em cujo jornal publicou vários artigos, e membro da Sociedade Protetora dos Desvalidos.

Manuel Querino casou-se duas vezes e teve quatro filhos. Faleceu a 14 de fevereiro de 1923, em sua casa em Matatu Grande, distrito de Brotas, deixando Laura Querino, sua esposa em segundas núpcias e dois filhos vivos: o músico Paulo Querino e Maria Anatildes Querino. Seus restos mortais foram enterrados no cemitério da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Salvador. O Centro Cultural Manuel Raimundo Querino foi criado em sua homenagem na Sociedade Protetora dos Desvalidos.

Sabrina Gledhill

FONTES

ALVES, Marieta. Intelectuais e escritores baianos – breves biografias. Salvador: Prefeitura Municipal, Fundação Museu da Cidade – FUMCISA, 1977.

BROOKSHAW, David. Raça e côr na literatura brasileira, traduzido por Marta Kirst. Porto Alegre: Série Novas Perspectivas 7, 1983.

BURNS, E. Bradford. “Manuel Querino’s Interpretation of the African Contribution to Brazil” In: The Journal of Negro History, vol. LIX, no1, jan/1974, p. 78-86.

BURNS, E. Bradford. A History of Brazil, 3 ed. Nova York: Columbia University Press, 1993. p. 320-321; 507-508,

CALMON, Jorge. “Manuel Querino, O Jornalista e o Político”. Universidade Federal da Bahia, Centro de Estudos Afro-Orientais, Ensaios/Pesquisas n 3, Maio/1980.

GLEDHILL, Sabrina, “Afro-Brazilian Studies Before 1930: Nineteenth-Century Racial Attitudes and the Work of Five Scholars”. Monografia de Mestrado. Universidade da Califórnia em Los Angeles, 1986.

NORONHA, Sílvia. “Sábio do Povo”. Memórias da Bahia II. Correio da Bahia/UCSAL. Salvador: Empresa Baiana de Jornalismo S.A., 2004.

NUNES, Antonietta d’Aguiar. “As leis orçamentárias provinciais baianas (1835-1889) como instrumento de política educacional”. In: Gestão em Ação, Salvador, v.8, n.3, p. 329-340, set./dez. 2005

QUERINO, Manuel. A Bahia d’Outrora. 3 ed. Salvador: Livraria Progresso Editora, 1946.

SILVA, Viviane Rummler da. “Miguel Navarro y Cañizares e a Academia de Belas Artes da Bahia: relações históricas e obras”. In: Revista Ohun. Ano 2, no 2, outubro 2005.

TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. 10 edição. Salvador/São Paulo: Edufba/Fundação Editora da UNESP (FEU), 2001.

VIANA, Antonio. “Manoel Querino” (Conferência). In: Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, n 54, 1928, p. 305-316.

WANTUIL, Zeus. “Teles de Menezes: Pré-história do Espiritismo no Brasil” In: Grandes Espíritas do Brasil”. Disponível em: www.universoespirita.org.br/TOSHIBA%20JA%20COLOCADOS/TELES%20%20DE%20%20MENEZES.htm Acesso em: 31 ago. 2006.