domingo, 28 de dezembro de 2008

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

sábado, 20 de dezembro de 2008

A Mulher Negra


Por MARIA NILZA DA SILVA
Professora no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina e Doutoranda na PUC/SP
<www.espacoacademico.com.br/022/22csilva.htm>

A situação da mulher negra no Brasil de hoje manifesta um prolongamento da sua realidade vivida no período de escravidão com poucas mudanças, pois ela continua em último lugar na escala social e é aquela que mais carrega as desvantagens do sistema injusto e racista do país. Inúmeras pesquisas realizadas nos últimos anos mostram que a mulher negra apresenta menor nível de escolaridade, trabalha mais, porém com rendimento menor, e as poucas que conseguem romper as barreiras do preconceito e da discriminação racial e ascender socialmente têm menos possibilidade de encontrar companheiros no mercado matrimonial.

A mulher negra ao longo de sua história foi a “espinha dorsal” de sua família, que muitas vezes constitui-se dela mesma e dos filhos. Quando a mulher negra teve companheiro, especialmente na pós-abolição, significou alguém a mais para ser sustentado. O Brasil, que se favoreceu do trabalho escravo ao longo de mais de quatro séculos, colocou à margem o seu principal agente construtor, o negro, que passou a viver na miséria, sem trabalho, sem possibilidade de sobrevivência em condições dignas. Com o incentivo do governo brasileiro à imigração estrangeira e à tentativa de extirpar o negro da sociedade brasileira, houve maciça tentativa de embranquecer o Brasil.

Provavelmente o mais cruel de todos os males foi retirar da população negra a sua dignidade enquanto raça remetendo a questão da negritude aos porões da sociedade. O próprio negro, em alguns casos, não se reconhece, e uma das principais lutas do movimento negro e de estudiosos comprometidos com a defesa da dignidade humana é contribuir para o resgate da cidadania do negro.

A pobreza e a marginalidade a que é submetida a mulher negra reforça o preconceito e a interiorização da condição de inferioridade, que em muitos casos inibe a reação e luta contra a discriminação sofrida. O ingresso no mercado de trabalho do negro ainda criança e a submissão a salários baixíssimos reforçam o estigma da inferioridade em que muitos negros vivem. Contudo, não podemos deixar de considerar que esse horizonte não é absoluto e mesmo com toda a barbárie do racismo há uma parcela de mulheres negras que conseguiram vencer as adversidades e chegar à universidade, utilizando-a como ponte para o sucesso profissional.

Embora o contexto adverso, algumas mulheres negras vivem a experiência da mobilidade social processada em “ritmo lento”, pois além da origem escrava, ser negra no Brasil constitui um real empecilho na trajetória da busca da cidadania e da ascensão social. Bernardo (1998), em seu trabalho sobre a memória de velhas negras na cidade de São Paulo, mostra como é difícil a mobilidade ascensional da negra - especialmente na conquista de um emprego melhor, pois a maioria das negras trabalhava na informalidade, ou como empregadas domésticas.

As mulheres negras que conquistam melhores cargos no mercado de trabalho despendem uma força muito maior que outros setores da sociedade, sendo que algumas provavelmente pagam um preço alto pela conquista, muitas vezes, abdicando do lazer, da realização da maternidade, do namoro ou casamento. Pois, além da necessidade de comprovar a competência profissional, têm de lidar com o preconceito e a discriminação racial que lhes exigem maiores esforços para a conquista do ideal pretendido. A questão de gênero é, em si, um complicador, mas, quando somada à da raça, significa as maiores dificuldades para os seus agentes.

Paul Singer (1998) afirma que, à medida que a mulher negra ascende, aumentam as dificuldades especialmente devido à concorrência Em serviços domésticos que não representam prestígio não há concorrência e conseqüentemente as mulheres negras têm livre acesso e é nesse campo que se encontra o maior número delas. A população negra trabalha, geralmente, em posições menos qualificadas e recebe os mais baixos salários.

A mulher negra, portanto, tem que dispor de uma grande energia para superar as dificuldades que se impõe na busca da sua cidadania. Poucas mulheres negras conseguem ascender socialmente. Contudo, é possível constatar que está ocorrendo um aumento do número de mulheres negras nas universidades nos últimos anos. Talvez a partir desse contexto se possa vislumbrar uma realidade menos opressora para os negros, especialmente para a mulher negra.

Contudo, cabe ressaltar a experiência de mulheres negras na luta pela superação do preconceito e discriminação racial no ingresso no mercado de trabalho. Algumas mulheres atribuem a “façanha” da conquista do emprego do sucesso profissional a um espírito de luta e coragem, fruto de muito esforço pessoal, e outras ainda, ao apoio de entidades do movimento negro.

Na atualidade não se pode tratar a questão racial como elemento secundário, destacando apenas a problemática econômica. A posição social do negro não se baseia apenas na possibilidade de aquisição ou consumo de bens. Ainda há uma grande dificuldade da sociedade brasileira em assumir a questão racial como um problema que necessita ser enfrentado. Enquanto esse processo de enfrentamento não ocorrer, as desigualdades sociais baseadas na discriminação racial continuarão, e, com tendência ao acirramento, ainda mais quando se trata de igualdade de oportunidades em todos os aspectos da sociedade.

A discriminação racial na vida das mulheres negras é constante; apesar disso, muitas constituíram estratégias próprias para superar as dificuldades decorrentes dessa problemática.

MARIA NILZA DA SILVA



Bibliografia

BERNARDO, Terezinha. Memória em branco e negro: um olhar sobre São Paulo. São Paulo: Educ, 1998.

SINGER, Paul. Globalização e desemprego: diagnósticos e alternativas. São Paulo: Contexto, 1998.

SILVA, Maria Nilza da. Mulheres negras: o preço de uma trajetória de sucesso. PUC/SP, Dissertação Mestrado, 1999.



Fonte: Revista Espaço Acadêmico Ano II No. 22 Março de 2003

Livro


Quase metade dos africanos que cruzaram o Atlântico veio da África Central. Pondo em evidência a zona cultural do Congo e de Angola, este livro ilustra como os povos africanos remodelaram suas instituições culturais, crenças e práticas na medida em que interagiam com os negociantes de escravos portugueses até o ano de 1800. A partir daí, a obra segue os centro-africanos que foram trazidos para o Brasil e mostra como a cultura da África Central foi incorporada pela cultura brasileira. Diáspora negra no Brasil estabelece um novo paradigma que amplia a nossa compreensão da cultura africana e as forças que levaram à sua transformação, durante e após o comércio de escravos pelo Atlântico. Esta obra colabora com a compreensão do papel efetivamente exercido por importante parcela do povo negro em nosso país e abre novos horizontes para historiadores, antropólogos, sociólogos e demais estudiosos da África e sua diáspora.


mais infornmações neste site http://www.editoracontexto.com.br/livro.php?livro_id=410#

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

As cotas para negros. Por que mudei minha opinião

William Douglas, juiz federal (RJ), mestre em Direito (UGF),

especialista em Políticas Públicas e Governo (EPPG/UFRJ), professor

e escritor, caucasiano e de olhos azuis.

Roberto Lyra, Promotor de Justiça, um dos autores do Código Penal de 1940, ao lado de Alcântara Machado e Nelson Hungria, recomendava aos colegas de Ministério Público que "antes de se pedir a prisão de alguém deveria se passar um dia na cadeia". Gênio, visionário e à frente de seu tempo, Lyra informava que apenas a experiência viva permite compreender bem uma situação.

Quem procurar meus artigos, verá que no início era contra as cotas para negros, defendendo – com boas razões, eu creio – que seria mais razoável e menos complicado reservá-las apenas para os oriundos de escolas públicas. Escrevo hoje para dizer que não penso mais assim. As cotas para negros também devem existir. E digo mais: a urgência de sua consolidação e aperfeiçoamento é extraordinária.

Embora juiz federal, não me valerei de argumentos jurídicos. A Constituição da República é pródiga em planos de igualdade, de correção de injustiças, de construção de uma sociedade mais justa. Quem quiser, nela encontrará todos os fundamentos que precisa. A Constituição de 1988 pode ser usada como se queira, mas me parece evidente que a sua intenção é, de fato, tornar esse país melhor e mais decente. Desde sempre as leis reservaram privilégios para os abastados, não sendo de se exasperarem as classes dominantes se, umas poucas vezes ao menos, sesmarias, capitanias hereditárias, cartórios e financiamentos se dirigirem aos mais necessitados.

Não me valerei de argumentos técnicos nem jurídicos dado que ambos os lados os têm em boa monta, e o valor pessoal e a competência dos contendores desse assunto comprovam que há gente de bem, capaz, bem intencionada, honesta e com bons fundamentos dos dois lados da cerca: os que querem as cotas para negros, e os que a rejeitam, todos com bons argumentos.

Por isso, em texto simples, quero deixar clara minha posição como homem, cristão, cidadão, juiz, professor, "guru dos concursos" e qualquer outro adjetivo a que me proponha: as cotas para negros devem ser mantidas e aperfeiçoadas. E meu melhor argumento para isso é o aquele que me convenceu a trocar de lado: "passar um dia na cadeia". Professor de técnicas de estudo, há nove anos venho fazendo palestras gratuitas sobre como passar no vestibular para a EDUCAFRO, pré-vestibular para negros e carentes.

Mesmo sendo, por ideologia, contra um pré-vestibular "para negros", aceitei convite para aulas como voluntário naquela ONG por entender que isso seria uma contribuição que poderia ajudar, ou seja, aulas, doação de livros, incentivo. Sempre foi complicado chegar lá e dizer minha antiga opinião contra cotas para negros, mas fazia minha parte com as aulas e livros. E nessa convivência fui descobrindo que se ser pobre é um problema, ser pobre e negro é um problema maior ainda.

Meu pai foi lavrador até seus 19 anos, minha mãe operária de "chão de fábrica", fui pobre quando menino, remediado quando adolescente. Nada foi fácil, e não cheguei a juiz federal, a 350.000 livros vendidos e a fazer palestras para mais de 750.000 pessoas por um caminho curto, nem fácil. Sei o que é não ter dinheiro, nem portas, nem espaço. Mas tive heróis que me abriram a picada nesse matagal onde passei. E conheço outros heróis, negros, que chegaram longe, como Benedito Gonçalves, Ministro do STJ, Angelina Siqueira, juíza federal. Conheço vários heróis, negros, do Supremo à portaria de meu prédio.

Apenas não acho que temos que exigir heroísmo de cada menino pobre e negro desse país. Minha filha, loura e de olhos claros, estuda há três anos num colégio onde não há um aluno negro sequer, onde há brinquedos, professores bem remunerados, aulas de tudo; sua similar negra, filha de minha empregada, e com a mesma idade, entrou na escola esse ano, escola sem professores, sem carteiras, com banheiro quebrado. Minha filha tem psicóloga para ajudar a lidar com a separação dos pais, foi à Disney, tem aulas de Ballet. A outra, nada, tem um quintal de barro, viagens mais curtas. A filha da empregada, que ajudo quanto posso, visitou minha casa e saiu com o sonho de ter seu próprio quarto, coisa que lhe passou na cabeça quando viu o quarto de minha filha, lindo, decorado, com armário inundado de roupas de princesa. Toda menina é uma princesa, mas há poucas das princesas negras com vestidos compatíveis, e armários, e escolas compatíveis, nesse país imenso. A princesa negra disse para sua mãe que iria orar para Deus pedindo um quarto só para ela, e eu me incomodei por lembrar que Deus ainda insiste em que usemos nossas mãos humanas para fazer Sua Justiça. Sei que Deus espera que eu, seu filho, ajude nesse assunto. E se não cresse em Deus como creio, saberia que com ou sem um ser divino nessa história, esse assunto não está bem resolvido. O assunto demanda de todos nós uma posição consistente, uma que não se prenda apenas à teorias e comece a resolver logo os fatos do cotidiano: faltam quartos e escolas boas para as princesas negras, e também para os príncipes dessa cor de pele.

Não que tenha nada contra o bem estar da minha menina: os avós e os pais dela deram (e dão) muito duro para ela ter isso. Apenas não acho justo nem honesto que lá na frente, daqui a uma década de desigualdade, ambas sejam exigidas da mesma forma. Eu direi para minha filha que a sua similar mais pobre deve ter alguma contrapartida para entrar na faculdade. Não seria igualdade nem honesto tratar as duas da mesma forma só ao completarem quinze anos, mas sim uma desmesurada e cruel maldade, para não escolher palavras mais adequadas.

Não se diga que possamos deixar isso para ser resolvido só no ensino fundamental e médio. É quase como não fazer nada e dizer que tudo se resolverá um dia, aos poucos. Já estamos com duzentos anos de espera por dias mais igualitários. Os pobres sempre foram tratados à margem. O caso é urgente: vamos enfrentar o problema no ensino fundamental, médio, cotas, universidade, distribuição de renda, tributação mais justa e assim por diante. Não podemos adiar nada, nem aguardar nem um pouco.

Foi vendo meninos e meninas negros, e negros e pobres, tentando uma chance, sofrendo, brilhando nos olhos uma esperança incômoda diante de tantas agruras, que fui mudando minha opinião. Não foram argumentos jurídicos, embora eu os conheça, foi passar não um, mas vários "dias na cadeia". Na cadeia deles, os pobres, lugar de onde vieram meus pais, de um lugar que experimentei um pouco só quando mais moço. De onde eles vêm, as cotas fazem todo sentido.

Se alguém discorda das cotas, me perdoe, mas não devem faze-lo olhando os livros e teses, ou seus temores. Livros, teses, doutrinas e leis servem a qualquer coisa, até ao nazismo. Temores apenas toldam a visão serena. Para quem é contra, com respeito, recomendo um dia "na cadeia". Um dia de palestra para quatro mil pobres, brancos e negros, onde se vê a esperança tomar forma e precisar de ajuda. Convido todos que são contra as cotas a passar conosco, brancos e negros, uma tarde num cursinho pré-vestibular para quem não tem pão, passagem, escola, psicólogo, cursinho de inglês, ballet, nem coisa parecida, inclusive professores de todas as matérias no ensino médio.

Se você é contra as cotas para negros, eu o respeito. Aliás, também fui contra por muito tempo. Mas peço uma reflexão nessa semana: na escola, no bairro, no restaurante, nos lugares que freqüenta, repare quantos negros existem ao seu lado, em condições de igualdade (não vale porteiro, motorista, servente ou coisa parecida). Se há poucos negros ao seu redor, me perdoe, mas você precisa "passar um dia na cadeia" antes de firmar uma posição coerente não com as teorias (elas servem pra tudo), mas com a realidade desse país. Com nossa realidade urgente. Nada me convenceu, amigos, senão a realidade, senão os meninos e meninas querendo estudar ao invés de qualquer outra coisa, querendo vencer, querendo uma chance.

Ah, sim, "os negros vão atrapalhar a universidade, baixar seu nível", conheço esse argumento e ele sempre me preocupou, confesso. Mas os cotistas já mostraram que sua média de notas é maior, e menor a média de faltas do que as de quem nunca precisou das cotas. Curiosamente, negros ricos e não cotistas faltam mais às aulas do que negros pobres que precisaram das cotas. A explicação é simples: apesar de tudo a menos por tanto tempo, e talvez por isso, eles se agarram com tanta fé e garra ao pouco que lhe dão, que suas notas são melhores do que a média de quem não teve tanta dificuldade para pavimentar seu chão. Somos todos humanos, e todos frágeis e toscos: apenas precisamos dar chance para todos.

Precisamos confirmar as cotas para negros e para os oriundos da escola pública. Temos que podemos considerar não apenas os deficientes físicos (o que todo mundo aceita), mas também os econômicos, e dar a eles uma oportunidade de igualdade, uma contrapartida para caminharem com seus co-irmãos de raça (humana) e seus concidadãos, de um país que se quer solidário, igualitário, plural e democrático. Não podemos ter tanta paciência para resolver a discriminação racial que existe na prática: vamos dar saltos ao invés de rastejar em direção a políticas afirmativas de uma nova realidade.

Se você não concorda, respeito, mas só se você passar um dia conosco "na cadeia". Vendo e sentindo o que você verá e sentirá naquele meio, ou você sairá concordando conosco, ou ao menos sem tanta convicção contra o que estamos querendo: igualdade de oportunidades, ou ao menos uma chance. Não para minha filha, ou a sua, elas não precisarão ser heroínas e nós já conseguimos para elas uma estrada. Queremos um caminho para passar quem não está tendo chance alguma, ao menos chance honesta. Daqui a alguns poucos anos, se vierem as cotas, a realidade será outra. Uma melhor. E queremos você conosco nessa história.

Não creio que esse mundo seja seguro para minha filha, que tem tudo, se ele não for ao menos um pouco mais justo para com os filhos dos outros, que talvez não tenham tido minha sorte. Talvez seus filhos tenham tudo, mas tudo não basta se os filhos dos outros não tiverem alguma coisa. Seja como for, por ideal, egoísmo (de proteger o mundo onde vão morar nossos filhos), ou por passar alguns dias por ano "na cadeia" com meninos pobres, negros, amarelos, pardos, brancos, é que aposto meus olhos azuis dizendo que precisamos das cotas, agora.

E, claro, financiar os meninos pobres, negros, pardos, amarelos e brancos, para que estudem e pelo conhecimento mudem sua história, e a do nosso país comum pois, afinal de contas, moraremos todos naquilo que estamos construindo.

Então, como diria Roberto Lyra, em uma de suas falas, "O sol nascerá para todos. Todos dirão – nós – e não – eu. E amarão ao próximo por amor próprio. Cada um repetirá: possuo o que dei. Curvemo-nos ante a aurora da verdade dita pela beleza, da justiça expressa pelo amor."

Justiça expressa pelo amor e pela experiência, não pelas teses. As cotas são justas, honestas, solidárias, necessárias. E, mais que tudo, urgentes. Ou fique a favor, ou pelo menos visite a cadeia.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Participem...e divulguem!

A BAHIAAFROFILMFESTIVAL acontecerá de 16 a 21 de dezembro , no ILE, Liberdade.

Vejam a programação no site www.bahiaafrofilmfestival.com

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Coletivo de Entidades Negras luta por políticas para os negros em Camaçari

Claudia Magnólia/ Camaçari Notícias

O Coletivo de Entidades Negras é uma organização não governamental que surgiu em Salvador no ano de 2005 com o objetivo de fortalecer a cultura afro-brasileira e africana, além de defender os direitos e interesses das religiões de matriz africana. Em Camaçari, o CEN foi implantado há seis meses e funciona em uma sede improvisada no distrito de Parafuso.

Para chamar a atenção para a luta do povo negro, o Centro quer realizar várias ações na cidade, onde, segundo coordenadora geral da entidade em Camaçari, Neide de Oyá, fazer militância é muito difícil. "As pessoas aqui não estão muito acostumadas com isso. Adoro meus torsos, minhas roupas, mas quando chego às lojas, todos me olham de cima a baixo, muitos até duvidam que eu vá comprar alguma coisa", revela.

A turismóloga e coordenadora do Núcleo de Mulheres do CEN, Jocimara Souza, acredita que é preciso mais respeito e conscientização por parte da população sobre os costumes do povo negro e do povo de Santo. "As pessoas acham bonito se vestir assim para receber os turistas, mas usar essas mesmas roupas para trabalhar elas não acham bonito", conta. "É preciso que todos se conscientizem, principalemnte os jovens, sobra a cultura que está nessas roupas, por isso lutamos pela aplicação da lei que obriga o ensino da história da África nas escolas", conclui.

A falta de apoio ainda é uma grande barreira para as entidades negras. Amanhã, o CEN realiza a partir das 14 horas no espaço Conviver uma homenagem às mulheres negras do município. Para realizar o evento, a entidade distribuiu 40 ofícios em empresas privadas da cidade, mas recebeu muitas respostas negativas.

"Os ofícios solicitavam doação de alimentos e brindes para que sejam realizados sorteios, nada que não estivesse ao alcance dos empresários, no entanto, contamos com muito pouca ajuda", afirma Neide. "Mas com certeza nós faremos um evento belíssimo, pois o negro tem uma grande capacidade de fazer com que o negativo se torne positivo", completa.

No próximo ano, entre as ações previstas pelo CEN está uma caminhada do Povo de Santo de Camaçari e do Seminário de Povo de Santo.

Leia também: Sexta tem homenagem a mulher negra em Camaçari

Brasil tem desigualdade de "nível sul-africano"

por Michelle Amaral da Silva última modificação 26/11/2008 13:03

Estudo do Ipea compara 11 países em termos sociais, econômicos e ambientais; Brasil melhora índices, mas permanece nas últimas posições

Renato Godoy de Toledo
da Redação
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) compilou diversos índices sociais, econômicos e ambientais internacionais em um estudo intitulado "Desenvolvimento e experiências nacionais selecionadas: percepções com base nos indicadores comparativos internacionais". O órgão reuniu dados sobre 11 países, que segundo o instituto, servem como parâmetro para analisar o desenvolvimento do Brasil.
As nações escolhidas podem ser divididas em três grupos: os países capitalistas desenvolvidos, também chamados de países centrais (EUA, Finlândia, Espanha e Alemanha); os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), "emergentes" com grande extensão territorial e populacional; e países com estruturas similares à do Brasil (África do Sul, Argentina e México).
O estudo apresenta uma perspectiva dos índices sociais em 30 anos, expondo dados de 1975, 1990 e 2005. Em geral, os indicadores dos países promoveram uma curva ascendente, com a exceção de África do Sul e Rússia. Ambos apresentaram uma piora em relação a 1990, no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Entre os 11 países selecionados, apenas Brasil, África do Sul, México e Alemanha reduziram a desigualdade de renda entre os trabalhadores entre 1990 e 2005. O estudo utilizou como medida da desigualdade o índice de Gini, que varia de 0, quando todos os indivíduos possuem a mesma renda, a 1, quando há total desigualdade, ou seja, apenas um indivíduo concentra toda a riqueza do país. Em termos numéricos, o Brasil passou de 0,604, entre 1990 e 1995, para 0,564. no período 2000-2005. Assim, a desigualdade foi reduzida em 7% em 15 anos. O índice brasileiro é quase semelhante ao da África do Sul (0,565), que é o pior índice entre os países avaliados, mesmo com uma redução de 11% em relação a 1990-1995.
A Alemanha foi o país que teve a maior redução de desigualdade (14%) e divide com a Finlândia o posto de país mais igualitário, com um índice de Gini de 0,260.

Metodologia
O técnico do Ipea, Milko Matijascic, que coordenou o estudo, explica que a escolha dos países teve como referência a situação brasileira. "Foi uma escolha dirigida. Optamos por incluir países que servem de referência ao Brasil. Todos eles têm modelos de desenvolvimento que podem trazer ensinamentos, pelo lado positivo e negativo", esclarece.
Matijascic afirma que os Brics, a África do Sul e os latino-americanos servem como comparativo por terem muitas semelhanças com o quadro brasileiro. Já os países desenvolvidos, são considerados "paradigmáticos, com um capitalismo desenvolvido e com uma rede de proteção social exemplar".
Apesar de a maior parte dos países apresentar melhora nos índices sociais, o pesquisador afirma que não é correto afirmar que o mundo vive uma "tendência" de desenvolvimento humano. "Não dá para concluir que há uma tendência de melhora, não é correto apontar tendências. Basta ver o caso da África do Sul, que em 1975 tinha um quadro mais promissor do que o atual. Um país avançado pode regredir, e vice-versa", conclui.
Como exemplo dessa imprevisibilidade, Matijascic cita a Coréia do Sul. "Apesar de não constar no estudo, ela traz um exemplo interessante. Nos anos 1970, o Brasil apresentava um quadro muito mais promissor do que o dela, no entanto, hoje ela é uma nação desenvolvida", compara.
Outra constatação do estudo que sustenta a afirmação dele é o fato de a maioria dos países ter aumentado o desenvolvimento humano de maneira combinada com o aumento da desigualdade, sobretudo nos Brics. Como principal exemplo desse crescimento desigual, aparece a China. Entre 1975 e 2005, o IDH do país mais populoso do mundo traçou a ascensão mais significativa entre os países relacionados no estudo (46%). No entanto, com a arrancada das práticas capitalistas, a desigualdade de renda obteve um crescimento de 36%, entre 1990 e 2005. Pior que a China, neste quesito, somente a Rússia, que após o fim da União Soviética, apresentou um aumento de 40% (leia box abaixo).
África-Brasil
Segundo o estudo, o país que mais se assemelha estruturalmente ao Brasil é a África do Sul, mesmo com a piora apresentada pelo último no período analisado. "São países muito parecidos racialmente, com população predominantemente negra e com profundas desigualdades, embora o Brasil tenha apresentado melhoras", afirma Milko Matijascic.
De acordo com o pesquisador, o principal fator a emperrar o desenvolvimento humano sul-africano é a epidemia de AIDS que o país vive, tal como todos os seus vizinhos da África sub-saariana. O indicador mais alarmante da África do Sul é a expectativa de vida ao nascer. Entre as mulheres, cada vez mais afetadas pelo HIV, ela reduziu de 62 anos, em 1990, para 52, em 2005. A dos homens reduziu de 59 para 50. Nesse aspecto, o Brasil está muito a frente do país africano, já que a expectativa de vida masculina é de 68 anos e a feminina de 76.
O técnico do Ipea indica que as semelhanças entre Brasil e África do Sul não podem ser observadas quando se compara o sistema de saúde dos dois países. "Apesar de os números da saúde no Brasil não serem maravilhosos, são muito melhores do que os da África do Sul. Lá eles não tiveram uma postura pró-ativa em relação à AIDS, como tivemos no Brasil, com a quebra de patentes e até o enfrentamento com a Igreja, realizando campanhas de prevenção", analisa.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Salve o almirante negro!



Rio - O presidente Lula, em 20 de novembro, reinaugurou estátua de João Cândido na Praça 15, antes instalada nos jardins do Palácio do Catete por ação dos ex-marinheiros da Unidade Mobilização Nacional pela Anistia (UMNA) e Movimento Democrático pela Anistia e Cidadania (Modac). Da placa descerrada consta que os açoites na Marinha de Guerra foram abolidos pela Lei Áurea. A Lei Áurea de 1888 aboliu a escravatura.

Os castigos físicos na Marinha foram abolidos pelo Decreto nº 03 da República, de 16 de novembro de 1889, e reintroduzidos pelo Decreto 328, de 12 de abril de 1890, e somente foram revogados definitivamente com a Revolta da Chibata. Trata-se de erro histórico numa homenagem a João Cândido.

Mas o pior erro do presidente decorreu do veto ao parágrafo da Lei 11.756 que concedia promoções e possibilitava o pagamento de pensão a descendentes de João Cândido. A lei tão-somente restabeleceu efeitos de outra lei de anistia: o Decreto 2280, de 25 de novembro de 1910, que jamais fora revogado.

A lei de anistia de Lula é propaganda enganosa. De nenhum efeito legal. João Cândido e seus companheiros não foram, formalmente, excluídos da Marinha em decorrência da Revolta da Chibata de 22 de novembro de 1910, mas pela fantasiosa rebelião de 9 de dezembro de 1910, articulada pela Marinha como pretexto para eliminar aqueles que já não se podia punir ante a anistia concedida.

João Cândido é um herói popular. Sua ação, e de seus companheiros, é um marco histórico: um momento no qual o povo começou a dizer não para a insensibilidade da elite. Homenageá-lo efetivamente implicará em anistia pelos eventos de 9 de dezembro de 1910, reconhecer o direito às promoções e indenizar e pagar pensão aos descendentes.

João Damasceno - Juiz de Direito e cientista político da UFF

A cor da escola

Livro resgata as primeiras imagens de professores e alunos negros

Publicada em 05/12/2008 às 16h40m

Marta Reis

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Alunos e professores da 3ª série da Escola Rodrigues Alves, Rio de Janeiro, 1914
RIO - Foi estudando para sua tese de doutorado em Educação, concluída na UFRJ, que a pedagoga Maria Lúcia Rodrigues teve a sorte de esbarrar com fotos do fim do século XIX e início do XX, que comprovavam - ao contrário do que pensavam alguns estudiosos - que a inclusão de professores negros nas escolas aconteceu bem antes de 1960. Lúcia não consegue precisar exatamente quando isso de fato ocorreu, mas assegura que tenha sido antes mesmo do fim da escravidão. As imagens guardadas pela pesquisadora ao longo de dez anos foram transformadas no livro "A cor da Escola - Imagens da Primeira República" (Ed.UFMT / Estrelinhas), lançado na última semana.
" Entre 1910 e 1930 ocorreu um processo de branqueamento das posições de prestígio e das salas de aula. "

O exemplar é recheado de 54 fotos raras e inúmeros textos que contam a história dos primeiros professores e alunos negros nas escolas da Primeira República (1889 a 1930), nos estados do Rio de Janeiro e Mato Grosso. De acordo com Lúcia, naquela época os negros ocupavam cargos de destaque nas escolas públicas - eram diretores, por exemplo - e representavam boa parte do quadro de docentes. Da mesma forma, alunos brancos e negros dividiam a mesma sala de aula, em semelhante proporção.

Veja a fotogaleria com fotos do livro

- Escrevi diversos artigos sobre o assunto e as pessoas diziam que eu era louca, que os negros só começaram a estudar para ser professor na década de 1960. Então, me senti desafiada a provar aquilo. Demorou dez anos, desde o dia que achei a primeira foto, mas aí está o resultado - comemora Lúcia, que é pesquisadora associada do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira, da UFF, e professora da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).

Reforma educacional afasta os negros das escolas

Professora da Escola José Pedro Varela, em sala de aula, Rio (1923) Segundo a pesquisadora, mesmo antes do fim da escravidão, o Brasil tinha milhares de negros livres que se preocupavam com a educação de seus filhos ou se destacavam no magistério. No entanto, como comprovam as imagens do livro, eles foram desaparecendo aos poucos, até se tornarem uma pequena minoria nas escolas públicas da época.

- Entre 1910 e 1930 ocorreu um processo de branqueamento das posições de prestígio e das salas de aula. Muitos intelectuais achavam que a solução para o desenvolvimento do Brasil era a imigração da população européia. Então, foram criadas regras para afastar os negros.

As normas fizeram parte de uma reforma educacional brasileira do início do século passado, que no Rio aconteceu em 1927. Pelas regras implementadas, professores com mais de quatro obturações dentárias, sem algum dos dentes, ou não nascidos na cidade do Rio de Janeiro não eram aceitos nas escolas. Além disso, foi criado um programa de estímulo à aposentadoria, conta Lúcia.

- Com os alunos, o processo foi parecido. Eles precisavam preencher um formulário escolar que mais parecia uma ficha médica, que acabava por discriminar os mais pobres, em sua maioria negros.

Cotas contribuem para a formação de uma elite negra, dia Lúcia

Maria Lúcia Rodrigues / Marta Reis O resultado dessa política, a professora acredita, é sentido ainda hoje no reduzido número de negros no magistério - apenas 4,3%, segundo dados do último Censo - e nas universidades. Para resolver o problema, ela se diz a favor da reserva de vagas para estudantes negros, adotada por algumas instituições, entre elas a Uerj.

- Pesquisas já comprovaram que os cotistas não diminuíram a qualidade do ensino dessas universidades. Pelo contrário, eles são os mais esforçados. As políticas afirmativas são essenciais para que criemos uma elite negra no país. Se elas não são a solução definitiva, são pelo menos a temporária - defende.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Obama, o filho da mãe



Obama, o filho da mãe

por Urariano Mota



Na vitória de Barack Obama há um aspecto original que não vem sendo notado. “Há muitos aspectos, colunista apressado”, poderia ser dito. Tentarei explicar. Além do mais claro, quero dizer, além do fato mais óbvio, de Obama ser o primeiro negro eleito para a presidência dos Estados Unidos, me chama atenção que na sua vida há uma vitória sem ruído de pessoas “derrotadas”, ou marginalizadas na cultura da sociedade norte-americana. Para ser mais preciso, na sua vitória há uma vitória muito especial da sua mãe.

A mãe de Obama, Stanley Ann Duham, foi uma pessoa rara já a partir do nome com que foi batizada. O pai queria um filho homem, e se compensou , ou se vingou, impondo-lhe um nome de homem. Para quê? O bom da vida são as limonadas que fazemos dos limões que nos atiram. Stanley Ann, para a sociedade americana em 1960, não demorou a mostrar a que veio. Aos 18 anos, conheceu o negro Barack Hussein Obama na Universidade do Havaí, em uma aula de... russo! Branca, namorou o jovem queniano, casou.... queremos dizer, juntou suas roupas e livros às dele, e teve Barack Hussein Obama Jr. Como a estabilidade não era bem o seu ideal, separou-se poucos anos depois. Em 1964, ainda irrecuperável, Stanley Ann voltou à faculdade para se formar e casar à sua maneira mais uma vez: uniu-se a um estrangeiro não-branco, o indonésio Lolo Soetoro.

Stanley Ann era não só diferente, rebelde, por intuição. Antropóloga, escreveu uma dissertação de 800 páginas sobre os trabalhos de serralheria dos camponeses de Java. Trabalhando para a Fundação Ford, defendeu o direito das mulheres trabalhadoras e ajudou a criar um sistema de microcréditos para os pobres. Maya Soetoro-Ng, a meia-irmã de Obama, afirmou recentemente sobre a mãe: "Essa era basicamente a sua filosofia de vida: não nos limitarmos por medo de definições estreitas, não erguermos muros à nossa volta e nos empenharmos ao máximo para encontrarmos a afinidade e a beleza em locais inesperados”.

Stanley Ann Duham morreu de câncer no ovário em 1995. O pai, a quem Obama dedicara um livro, ele mal viu, depois dos 2 anos de idade. Por isso afirmou, o primeiro homem negro eleito para a presidência dos Estados Unidos: “Eu creio que se eu soubesse que a minha mãe não iria sobreviver à doença, eu escreveria um livro diferente – menos meditação sobre o pai ausente, mais celebração da mãe que era a única coisa constante em minha vida”, escreveu no prefácio de suas memórias, “Sonhos De Meu Pai”. E acrescentou “Eu sei que ela era a mais gentil, o espírito mais generoso que já conheci e o que existe de melhor em mim eu devo a ela”. Para essa Ann, mulher estranha para os valores dominantes, delicada e rebelde, na campanha eleitoral Obama chamava de a sua "mãe solteira".

O presidente eleito não repete, é claro, o pensamento, os atos e as convicções da mãe. Se assim fosse, não teria chegado aonde chegou. Mas sem as idéias de Stanley Ann Duham, Barack Hussein Obama Jr. não teria tido a mais remota possibilidade de existir. Em lugar do “sonho americano”, que toda imprensa proclama, Obama é antes uma vitória do pensamento e de idéias não-conservadoras, que estavam no limite dos marginalizados hippies. E os hippies, vocês lembram, naqueles malditos tempos acabavam nas prisões, ou como em Easy Rider, sob tiros de espingarda.

Em 2008, um filho de mãe solteira, de uma irrecuperável, é eleito presidente. Para essa nova história, somente espero não ser um colunista muito apressado.


(Publicado em 5.11.2008 no Direto da Redação, http://www.diretodaredacao.com/)

Obra desvenda a construção e o funcionamento do racismo no Brasil


da Folha Online

O Brasil não é um país racista, mas é um país onde existe racismo. Em uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), 97% dos entrevistados afirmaram não ter preconceito, mas 98% disseram conhecer pessoas que manifestavam algum tipo de discriminação racial.

Livro esclarece quais são as origens do racismo no Brasil

A questão é um tema ainda difícil para o último país das Américas a abolir a escravidão, em 1888. Aqui, o debate sobre racismo é sempre atual, com todos os seus paradoxos e mitos, como o da democracia racial.

O estudo é citado no livro "Racismo no Brasil", da coleção "Folha Explica" da "Publifolha", que revela a maneira como se construiu, historicamente, o racismo à brasileira. Leia a introdução do livro, reproduzida abaixo, que leva o título de "Da Cor do Bronze Novo".

A autora é a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, da USP. Ela explica quais os principais debates das teorias raciais no século 19, como teorias justificaram a miscigenação, os efeitos da escravidão no imaginário racial brasileiro, o "apartheid" social", a questão da identidade e confusão e a raça projetada no outro. Ela também explica a formação do conceito de raça no país.

O livro também traz explicações, em comparação ao Brasil, de alguns aspectos do sistema de classificação racial dos Estados Unidos. A autora discute o mito da democracia racial e toca em uma questão vizinha ao racismo, a discriminação racial.

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Introdução: "Da Cor do Bronze Novo"

"Uma feita o Sol cobrira os três manos de uma escaminha de suor e Macunaíma se lembrou de tomar banho. Porém no rio era impossível por causa das piranhas vorazes que de quando em quando na luta pra pegar um naco da irmã espedaçada pulavam aos cachos para fora d"água metro e mais. Então Macunaíma enxergou numa lapa bem no meio do rio uma cova cheia d"água. E a cova era que nem a marca dum pé de gigante. Abicaram. O herói depois de muitos gritos por causa do frio da água entrou na cova e se lavou inteirinho. Mas a água era encantada porque aquele buraco na lapa era marca do pezão de Sumé, do tempo que andava pregando o Evangelho de Jesus pra indiada brasileira. Quando o herói saiu do banho estava branco louro de olhos azuizinhos, água lavara o pretume dele [à]. Nem bem Jiguê percebeu o milagre, se atirou na marca do pezão de Sumé. Porém a água já estava muito suja do pretume do herói e por mais que Jiguê esfregasse feito maluco atirando água para todos os lados só conseguia ficar da cor do bronze novo [à]. Maanape então é que foi se lavar, mas Jiguê esborrifara toda a água encantada para fora da cova. Tinha só um bocado lá no fundo e Maanape conseguiu molhar só a palma dos pés e das mãos. Por isso ficou negro bem filho dos Tapanhumas. Só que as palmas das mãos e dos pés dele são vermelhas por terem se limpado na água santa [à]. E estava lindíssimo no Sol da lapa os três manos um louro, um vermelho, outro negro, de pé bem erguidos e nus [à]."1

Nos idos de 1928, Mário de Andrade recontou, à sua maneira, a famosa fábula das três raças. Depois de terem sido tão iguais, os irmãos acabavam ganhando as cores das "gentes locais", por conta de um milagre da natureza ou de um atributo de não se sabe quem. Nesse caso, porém, a narrativa surgia em meio a uma série de outras aventuras e desventuras de Macunaíma, esse herói "sem nenhum caráter". De toda maneira, no conjunto do livro, destacava-se uma intenção de incorporar culturas não-letradas indígenas, caipiras, sertanejos, negros, mulatos, cafuzos e brancos, cujo resultado era menos uma análise das raças e mais uma síntese das culturas locais. Afinal, a fórmula "herói de nossa gente" veio substituir expressão anterior "herói de nossa raça", numa clara demonstração de como o romance dialogava com o pensamento social de sua época e buscava se contrapor à versão pessimista, de finais do século 19, que entendeu a miscigenação como uma espécie de mácula nacional.

Mas, se essa é uma história famosa e dileta, não deixa de ser, também, uma "versão". Uma versão que remete a outra estrutura maior, que, de alguma maneira, vem repensando a nação a partir da raça, às vezes nomeada em função da cor. Pode-se afirmar, sem medo de errar, que, na maioria das vezes em que oficialmente se falou sobre esse país, o critério racial foi acionado: ora como elogio, ora como demérito e vergonha. No entanto, assim como se sabe que o nacionalismo é, no limite, uma invenção, é preciso deixar claro, também, que não se trata de um discurso meramente aleatório.

O fato é que não se manipula no vazio e que, apesar de muitas vezes pragmáticos, os rituais, ícones e representações nacionais dificilmente se impõem de forma apenas exterior. Entender as marcas simbólicas do poder político significa perceber como é possível descobrir intencionalidade na cultura política, mas também atentar para o fortalecimento de um imaginário nacional, que buscou raízes nos ditos populares e em certa maneira particular de entender a cor e a raça. Estamos diante, portanto, de representações que, além de estarem ancoradas na estrutura socioeconômica mais imediata, são partilhadas coletivamente, mesmo que reapropriadas segundo padrões nem sempre idênticos. E mais: nesse processo, a composição mestiçada da população sempre pareceu chamar atenção.

É por isso mesmo que este livro procurará acompanhar a trajetória do conceito "raça" em nossa história particular, sem abrir mão de pensar o momento presente e seus desafios.2 No primeiro capítulo, "Raça Como Negociação", o leitor será convidado a viajar pelos diferentes caminhos que o termo percorreu entre nós: desde meados do século 16 até os anos 1930 e depois até o contexto atual, o conceito ganhou visões variadas, que oscilaram entre as leituras mais românticas e as teorias detratoras. Na seqüência "Falando de História: Ser Peça, Ser Coisa", vai-se procurar analisar o impacto da escravidão brasileira na estrutura local e o perfil basicamente conservador do movimento abolicionista brasileiro.

Não se pretende, porém, limitar o problema ao passado. Ao contrário, a forma atual e particular que a questão racial assume aqui será o tema de dois outros capítulos. Em "Frágil Democracia: na Dança dos Números",interpretaremos os dados da demografia censitária, que vêm comprovando a existência de um apartheid social velado no país. Já em "Nomes, Cores e Confusão", a idéia é lidar com cenários paralelos: a "raça social" (que faz com que as pessoas "embranqueçam ou empreteçam", conforme a situação social e mesmo econômica) e o uso escorregadio da cor, que transforma raça em efeito passageiro, ou tema para a exclusiva nomeação. Para complicar ainda mais, no capítulo 5, "Raça Como Outro", estaremos diante dessa modalidade original de preconceito; um preconceito alterativo que localiza no próximo, ou no vizinho ao lado, a discriminação.

Concluímos com "Fechando ou Abrindo Essa História", já que "ninguém é de ferro". Questões desse tipo são melhores para pensar do que para resolver: vale mais incomodar e provocar do que estar à cata de receitas fáceis e prontas, ou poções mágicas que anunciem o final derradeiro do problema. No que se refere ao tema racial, estamos bem longe de um "E viveram felizes para sempre".

1 Mário de Andrade, p. 37-8.
2 Este texto guarda uma formulação original, mas representa, em alguns pontos delimitados, uma nova investida na discussão iniciada no ensaio de minha autoria "Nem Preto, Nem Branco, Muito Pelo Contrário", publicado no livro História da Vida Privada no Brasil, v. 4 (São Paulo: Companhia das Letras, 1998).

"Folha Explica - Racismo no Brasil"
Autor: Lilia Moritz Schwarcz
Editora: Publifolha
Páginas: 104
Quanto: R$ 17,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha