quarta-feira, 28 de maio de 2008

BERIMBAU

Por André Carvalho
02 de maio de 2008

Mesmo sendo baiano da gema, acabo de comprar uma harpa. Fi-lo porque qui-lo, como diria o inteligentíssimo mato-grossense Jânio Quadros. Foi complicado encontrar uma harpa à venda aqui, na bendita cidade do Salvador. Baiano não é muito chegado a essas coisas. As poucas existentes estão em museus e, sabe-se de uma, em casa de um professor, doutor, coordenador universitário.

Minha harpa tem quarenta e seis cordas e sete pedais e seu desenho é semelhante àquele usado nas harpas dos Caldeus, em 600 a.C.. Tive alguma dificuldade em contar todas as suas cordas. Confesso, escabreado, que me confundi umas três ou quatro vezes e que foi necessária a ajuda de um amigo, o Antônio, muito mais sagaz que eu, para a consecução da tarefa. Apesar da passagem pela Universidade Federal da Bahia, nos idos de 70, empaco em coisas que dizem respeito à aritmética. A UFBA não tem culpa alguma, pois a questão é de QI. Também pudera, acostumado ao berimbau monocórdio, não podia ser diferente.

Optei pela harpa na esperança de elevar meu QI a números estratosféricos, seguindo uma nova teoria evolucionista que vem sendo elaborada e desenvolvida por médicos aqui da Bahia. Nunca dantes se viu coisa igual. A tese é a seguinte: quanto mais cordas você tocar, mais inteligente você é. Portanto, violonista que toca violão de doze cordas é mais inteligente do que o bandolinista que toca em oito cordas, que por sua vez é mais inteligente do que o baixista que é tão inteligente quanto o cavaquinista, e assim sucessivamente.

Como você já percebeu, na base da pirâmide do intelecto estão os tocadores de berimbau.

O que me encanta nos estudos científicos é a profusão de novas e revolucionárias idéias. Claro, pesquisa serve mesmo para isso. Pena o Brasil ter que reformar apartamentos de reitores magníficos e sobrar pouco recurso para as pesquisas. Com mais dinheiro poderíamos estudar a influência da percussão no resultado dos vestibulares, por exemplo. Bum, bum, bum, bum, bum ajuda ou atrapalha o batuqueiro a ingressar na universidade? Se ajudar, o faz mais em medicina ou engenharia? Outra pesquisa interessante seria relacionar curso a instrumento musical. Para direito é melhor tocar um instrumento de sopro, clarinete, talvez. Quer sucesso nas ciências econômicas, então toque oboé, e assim por diante. Comprovadas estas hipóteses, melhorar-se-ia muito o desempenho dos alunos nos exames avaliatórios, tipo ENADE e OAB.

Apenas uma coisinha me intriga quanto ao resultado de tudo isso. É que dentre os instrumentos que conheço, o mais parecido com a harpa é o berimbau. Na verdade o berimbau é uma harpa de corda única. É uma prova de inteligência dos seus inventores; substituir quarenta e cinco cordas e sete pedais por uma cabaça, uma vareta, um caxixi e uma pedra, e tirar daí, os sons necessários para uma existência feliz é fantástico. O berimbau é mais barato, mais leve, portátil, de fácil manutenção e mercadologicamente mais demandado. Tirante eu ou outro insano qualquer, ninguém compra uma harpa e leva pra casa, mas todo o mundo compra um berimbauzinho de lembrança, não é mesmo?

Tocar berimbau não é para qualquer um. Dizem que é um dom de Deus. Extrair de uma única corda a profusão de sons que os tocadores conseguem deve ser mesmo obra dos deuses. Imagino um berimbau tocando os famosos e harmônicos temas natalinos!!! Maravilha!!! Ansioso, espero o desenrolar das novas etapas da pesquisa.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

JACARANDÁ DA BAHIA: Racismo e hipocrisia

JACARANDÁ DA BAHIA: Racismo e hipocrisia

Somente na semana passada, "Veja" descobriu que não existem raças na espécie humana. A revista dos Civita, além de reacionária, é retardada - coisa que já desconfiávamos. Há décadas se sabe que as diferenças biológicas entre os indivíduos de uma determinada etnia são maiores do que aquelas existentes entre indivíduos de etnias diferentes. De Franz Boas, no final do século XIX, até Stephen Jay Gould, falecido em 2002, passando por outros cientistas, esta se tornou uma verdade corriqueira.

sábado, 24 de maio de 2008

Mãe Georgete

Requiescat in Pace, querida Iyá Kékeré, falecida hoje, dia 24 de maio de 2008.

Georgete Helena dos Santos, Eyin Osun, foi Mãe Pequena do Ilê Axé Opô Afonjá. Faleceu com 94 anos de idade. Deixa muitas saudades e será lembrada para sempre por nós, seus filhos pequenos.


quinta-feira, 22 de maio de 2008

Eliane Nunes

É com extremo pesar que comunicamos o falecimento da Prof. Eliane Nunes, autora de "Manuel Raymundo Querino: O Primeiro Historiador da Arte Baiana", em maio de 2008.

Possuía graduação em Artes Visuais pela Universidade Federal de Pelotas (1993) e mestrado em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1999). Doutoranda em História pela Universidade Federal da Bahia, era professora assistente da Universidade Federal de Pelotas, atuando principalmente nos seguintes temas: história e historiografia da arte afro-brasileira e história da arte africana.

Lamentamos o ocorrido e oferecemos aos familiares nossas condolências, bem como nossos mais estimados préstimos.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

CEAO desmente boatos sobre Museu Afro-Brasileiro


O Conselho Deliberativo do Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), da Universidade Federal da Bahia (UFBA), reunido em 19 de abril de 2007, tendo em vista recentes manifestações publicadas na imprensa (A Tarde Cultural, de 14 de abril de 2007), que anunciam a dissolução do Museu Afro-Brasileiro e a transferência do seu acervo para uma outra instituição federal a ser criada, vem a público esclarecer que:

1) fundado há 33 anos, o Museu Afro-Brasileiro é um espaço de identidade e memória da população afro-descendente brasileira, instituição essencial para o desempenho da UFBA, e do CEAO em particular, no sentido de informar e educar a respeito da riqueza cultural dos povos africanos e seus descendentes no Brasil;

2) além de expor peças representativas da cultura material africana e afro-brasileira à visitação pública, o Museu Afro-Brasileiro desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão, a exemplo do Projeto de Atuação Pedagógica e Capacitação de Jovens Monitores, jovens estes selecionados em parceria com instituições negras baianas;

3) o Museu Afro-Brasileiro é, então, instrumento fundamental da conhecida política de inclusão racial e de combate ao preconceito preconizada pela UFBA;

4) por todas estas razões, a UFBA não cogita dissolver, nem ceder o acervo do seu Museu Afro-Brasileiro para qualquer outra instituição existente ou a ser criada.

Salvador, 19 de abril de 2007.

Nota publicada no site do CEAO - http://www.ceao.ufba.br/2007/

Visite o site do Museu Afro-Brasileiro e o belo acervo de painéis da autoria de Carybé

terça-feira, 20 de maio de 2008

Uma verdade secular

O Padre Vieira, referindo-se aos naturais da Ilha de Cabo Verde, em carta dirigida ao confessor de S.S. Altezas, em 25 de Dezembro de 1652, externou-se assim: “Há aqui clérigos e cônegos tão negros como o azeviche, mas tão compostos, tão autorizados, tão doutos, tão grandes músicos, tão discretos e bem morigerados que fazem invejas aos que lá vemos nas nossas catedrais”.

Do exposto devemos concluir que,
somente a falta de instrução destruiu o valor do africano [grifo nosso]. Apesar disso, a observação há demonstrado que entre nós, os descendentes da raça negra têm ocupado posições de alto relevo, em todos os ramos do saber humano, reafirmando a sua honorabilidade individual na observância das mais acrisoladas(*) virtudes.

-- Manuel Querino (A Raça Africana)

Clique aqui para ler a apresentação de A Raça Africana na íntegra

(*) Segundo o dicionário Aurélio:
Acrisolado Adj.
1. Purificado no crisol.
2. Fig. Purificado, puro, acendrado.
3. Aperfeiçoado, apurado: "estilo acrisolado"

Congresso reúne educadores negros da Bahia

Formado por estudantes negros da UFBA, o coletivo Partenegra realiza a primeira edição do Congresso Baiano de Educadores Negros, entre os dias 23 e 25 de maio, no Colégio Central. O objetivo é refletir e discutir de que modo a educação baiana reproduz ou transforma as relações étnicas. O encontro tem o apoio da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), cujo Departamento de Educação, no Campus I, no Cabula, inscreve interessados - taxa de R$10,00. As vagas são limitadas.

Com o tema "Negritude e educação: um desafio para a construção de uma nova sociedade", o encontro irá reunir educadores de todo o estado, pesquisadores, estudantes e membros de movimentos sociais. O objetivo é discutir e avaliar qual o papel dos educadores no processo de afirmação e valorização da identidade étnica negra.

Entre os destaques da programação citam-se as participações da vereadora e ex-secretária municipal de Educação Olívia Santana, discutindo sobre o tema "Organização e luta política dos Educadores Negros na Bahia"; e do secretário estadual de Promoção da Igualdade (Sepromi), Luiz Alberto Silva, que falará sobre "O Estado brasileiro e a Lei 10639/03: da regulamentação à prática". A programação conta ainda com atividades culturais, debates, mesas-redondas e oficinas.

Mais informações no site www.uneb.br.

Clique aqui para fazer o download da programação em PDF

domingo, 18 de maio de 2008

Entrevista com três integrantes da Irmandade da Boa Morte

Esta imagem é muito comovente - todas as irmãs na foto têm mais de 90 anos e estão de mãos dadas, formando uma corrente poderosa. Demonstram a fé e a força que perpetuam a cultura e a religião dos africanos e seus descendentes no Brasil.

Para mais informações sobre a Irmandade da Boa Morte, clique aqui

A maçonaria brasileira

Read this doc on Scribd: A Maçonaria no Brasil

sexta-feira, 16 de maio de 2008

A vingança do berimbau


RESPOSTA DE UM CANTADOR PARA O COORDENADOR DA ESCOLA DE MEDICINA DA BAHIA
Autor:Miguezim de Princesa

Superado pelo tempo,
Ensinando muito mal,
Fabricando mil diplomas
Para entupir hospital,
O doutor da faculdade
Botou, com toda maldade,
A culpa no berimbau.

II

Disse o doutor Natalino
Que o baiano é um mocó,
Sem coragem e inteligência,
Preguiçoso de dar dó,
Só liga pra carnaval
E só toca berimbau
Porque tem uma corda só.

III

O sujeito ignorante
Não conhece o berimbau,
Que atravessou o mundo
Com toda a força ancestral.
Na fronteira da emoção,
Traz da África a percussão
Da diáspora cultural.

IV

Nem Baden Powel resistiu
À percussão milenar,
Uma corda a encantar seis
Na tristeza camará
De Salvador da Bahia.
Quem toca e canta poesia
Na dança sabe lutar.

V

O doutor, se estudou,
Na certa não aprendeu nada:
Diz que o som do Olodum
Não passa de uma zoada
E a cultura baiana
É uma penca de bananas,
Primitiva e atrasada.

VI

Jimmy Cliffi, Michael Jackson,
Paul Simon e o escambau
Se renderam ao Olodum
Com seu toque genial,
Que nasceu no Pelourinho
E hoje abre caminho
No cenário mundial.

VII

O baiano é primitivo?
Veja só o resultado:
Ruy foi o Águia de Haia;
Castro Alves, verso-alado
De poeta condoreiro,
E gente do mundo inteiro
Se curvou a Jorge Amado.

VIII

Bethânea, Caetano e Gil,
Armandinho, Dodô e Osmar,
Gal Costa, Morais Moreira,
Batatinha a encantar
João Gilberto, Bossa Nova
Novos Baianos são prova
Da grandeza do lugar.

IX

Glauber, no Cinema Novo;
Gregório, velha poesia;
Gordurinha, no rojão;
Milton, na Geografia;
Anísio, na Educação;
Dias Gomes, na encenação;
João Ubaldo e Adonias.

X

Menestrel da cantoria
Temos o mestre Elomar,
Xangai, Wilson Aragão,
Bule-Bule a improvisar,
Roberto Mendes viola
A chula - semba de Angola,
Nosso samba de além-mar.

XI

Se eu fosse citar todos
Que merecem citação,
Faria um livro de nomes
Tão grande é a relação.
Desculpe, Afrânio Peixoto,
Esse doutor é um roto
Procurando promoção!

XII

Com vergonha do que fez:
Insultar toda a Nação,
O tal doutor Natalino
Pediu exoneração
E não encontra ninguém,
Nem um nazista do além,
Para tomar a lição.

XIII

O baiano é pirracento,
Mas paga com bem o mal:
Dá uma chance a Natalino
Lá no Mercado Central
De ganhar alguns trocados
Segurando o pau dobrado
Da corda do berimbau.

Precisamos de seu apóio!

O Professor Jaime Nascimento está organizando um seminário (detalhes embaixo) sobre Manuel Querino e precisa de manifestações de apóio para demonstrar o "interesse público" deste evento. Manifestações a favor do seminário podem tomar a forma de uma mensagem neste blog, emails (dirigidos a Prof. Jaime Nascimento - habissinia@gmail.com, Penildon Silva Filho - Diretor Geral do IAT pfilho.iat@sec.ba.gov.br e Ricardo Resende de Andrade - Diretor de Formação e Experimentação Educacional do IAT randrade.iat@sec.ba.gov.br reseandrade@gmail.com )
um abaixo-assinado ou o que achar melhor. Vamos fazer uma mobilização em prol da memória do primeiro estudioso afro-brasileiro a destacar a contribuição do africano e seus descendentes à civilização brasileira!


O "Seminário Manuel Querino: Vida e Obra", promovido pelo Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) e organizado pelo Prof. Jaime Nascimento, busca marcar de forma significativa a passagem dos 157 anos de nascimento e 85 anos da morte de Manuel Raimundo Querino. Escritor, jornalista, historiador, professor do Liceu de Artes e Ofícios e do Colégio dos Órfãos de São Joaquim, antropólogo autodidata, e um dos mais importantes pesquisadores da História da Bahia, Querino foi precursor dos estudos da contribuição africana para a formação da sociedade brasileira. No seminário, discutir-se-á essa personalidade ímpar e multifacetada, ressaltando a sua importância no cenário intelectual da Bahia e do Brasil.

O seminário será realizado entre os dias 28 de julho e 01 de agosto,
com palestras apresentadas no Auditório do IGHB e na Sala de
Teleconferência do Instituto Anísio Teixeira.

Segue a relação de palestrantes confirmados:
Profa. Dra. Maria das Graças Leal
Profa. Dra. Consuelo Novais Sampaio
Profa. Ms. Sabrina Gledhill
Profa. Myriam Fraga
Profa. Ms.Cristiane Vasconcelos
Prof. Dr. Antonio Sérgio Alfredo Guimarães
Profa. Ms. Eliane Nunes
Prof. Dr. Luiz Alberto Ribeiro Freire
Profa. Dra. Vanda Machado
Proa. Dra.Marli Geralda Teixeira
Prof. Dr.Vilson Caetano Júnior
Prof. Ms.Gildeci de Oliveira Leite

sábado, 10 de maio de 2008

Lançamento de livro de Jorge da Silva - 120 Anos de Abolição

Hama Editora convida para conferência e lançamento do livro 120 Anos de Abolição - 1888-2008,do cientista político Jorge da Silva. 15 de maio, quinta-feira, 18h (Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro) no Hall do Palácio Tiradentes

Este lançamento faz parte da programação do Seminário sobre Políticas de Reparação, da Comissão dos 120 Anos da Abolição, da Assembléia Legislativa.

terça-feira, 6 de maio de 2008

O berimbau, um único neurônio e o abaixo assinado: a confluência dos ditos

Jocélio Teles dos Santos
Departamento de Antropologia e Diretor do Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA)

Como admitir um QI baixíssimo entre estudantes de melhor desempenho no vestibular e na instituição de maior prestígio na Bahia? As declarações do coordenador do curso da Faculdade de Medicina da UFBA provocaram reações diversas e adversas. Se a reação foi vigorosa, as análises ainda estão por acontecer.
O curso de Medicina é ressaltado como o de maior concorrência e, consequentemente, de melhor desempenho estudantil nas instituições públicas do ensino superior no Brasil. Por conseguinte, passamos a associar “maior inteligência” a resultados no vestibular. Tratar-se-ia de uma conseqüência “lógica”. Os estudantes aprovados em Medicina teriam o melhor desempenho em qualquer curso da UFBA. Relacionam-se desejo/vontade/expectativa/trajetória e condições materiais do estudante ao seu desempenho no vestibular e na universidade. Reproduziu-se uma hierarquia da inteligência nas áreas do conhecimento acadêmico. O poder da inteligência dos profissionais da área médica tornou-se dominante nos discursos e no imaginário da sociedade brasileira. Mais que um totem, uma dominação simbólica, mesmo para quem é crítico desse modelo hegemônico.
O desempenho no curso de Medicina tem nos servido de contraponto aos que apostavam no fracasso das ações afirmativas para os estudantes oriundos das escolas públicas, negros e indígenas. Desde o ano de 2005, comparamos o desempenho dos estudantes que foram aprovados pelo sistema de cotas em cursos considerados de prestígio e de alta concorrência como Odontologia, Psicologia, Arquitetura, Direito, as Engenharias e Medicina. Os resultados são similares aos da Unicamp, Universidade de Brasília e da Universidade Federal do Paraná. Há cursos em que os alunos ingressos pelo sistema diferenciado têm resultado igual, ou melhor, que os ingressos pelo sistema tradicional. E, no espaço público, divulgamos o desempenho dos estudantes de Medicina no vestibular, e nos três primeiros anos do sistema de cotas da UFBA, para demonstrar como a seleção pelo sistema do vestibular tem sido limitada e elitista.
Reiteramos, portanto, uma hegemonia hierarquizante de uma área do conhecimento, bem como tomamos como amostra básica esse mesmo modelo.
Por isso, uma pergunta se apresenta. O que significa o uso de conceitos/notas e o desempenho dos alunos nas nossas avaliações internas e externas, como a do MEC? Quais são os indicadores para a avaliação dos nossos estudantes e, por conseguinte, da metodologia empregada? Estamos refletindo sobre esses instrumentos de avaliação ou nos encontramos apáticos diante de um modelo tecnocrata?
A avaliação do curso de Medicina da UFBA demonstra muitas facetas. O imaginário sobre esses detentores do saber perpassa, no espaço público, o perigo de visualizarmos uma péssima avaliação dos futuros “conhecedores e dominadores” dos nossos corpos. Afinal, mesmo levando em consideração o boicote dos alunos, quais foram os critérios considerados para tal decisão? Esse seria um ponto para começarmos a refletir menos sobre o curso de Medicina e, sim, acerca das avaliações de outros cursos da instituição. Quem sabe, desse modo, deixaríamos de ser reféns do modelo hegemônico sobre a produção do conhecimento, e seríamos capazes de pensar pluralmente sobre essa mesma produção. Afinal, o bom desempenho de estudantes em outros cursos não provocou nenhum alarde da mídia e, muito menos, declarações estapafúrdias de algum membro do corpo docente, como a do coordenador do curso de Medicina.
A ênfase do coordenador do curso de Medicina sobre o QI dos baianos e, de modo peremptório, a associação imediata com o berimbau teve uma confluência deveras singular. Um das suas considerações sobre o baixo desempenho dos alunos é que “houve uma contaminação da questão das cotas”. No mesmo dia em que essas declarações eram divulgadas na imprensa, o presidente do Supremo Tribunal Federal recebeu um abaixo-assinado de intelectuais e artistas (Ruth Cardoso, João Ubaldo Ribeiro, Caetano Veloso et alli) em apoio as duas ações de inconstitucionalidade da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino contra o Prouni e o sistema de cotas da Universidade estadual do Rio de Janeiro.
Há um nexo na retórica argumentativa e a lógica do capital. Os argumentos no abaixo-assinado encontram-se amoldados às expectativas de universidades e faculdades privadas sobre a inconstitucionalidade do ProUni. Estamos diante de um paradoxo. Os intelectuais, desde o período do regime militar, não bradam pela autonomia das idéias e decisões nos seus espaços institucionais? Por que, então, deveria o Supremo Tribunal Federal julgar e impedir decisões acadêmicas? O que se argumenta sobre a reiterada autonomia universitária? Ou trata-se de uma retórica cuja finalidade é a manutenção de status e privilégios? Fico a imaginar os ministros do STF arbitrando sobre decisões que envolveram nos conselhos universitários a participação de estudantes, professores e funcionários de instituições universitárias como a UFBA, UnB, UFPR, UFRGS, UFSC, UFAL, UFSP, UFMA, UFPA, UEMS, Uneb, Unicamp, UFAL, UFSM.
Destaco quatro argumentos no abaixo-assinado. Primeiro, é que “nada pode ser mais falso: as cotas raciais proporcionam privilégios a uma ínfima minoria de estudantes de classe média e conservam intacta, atrás de seu manto falsamente inclusivo, uma estrutura de ensino público arruinada”.
O segundo argumento é que “a propaganda cerrada em favor das cotas raciais assegura-nos que os estudantes universitários cotistas exibem desempenho similar ao dos demais. Os dados concernentes ao tema são esparsos, contraditórios e pouco confiáveis”. Corroborada por cientistas sociais,as afirmações revelam-se pífias.
Para tais argumentos, há necessidades de dados. E onde eles se encontram? Em que estudo e em qual universidade? As análises do impacto do sistema de cotas na UFBA indicam que, no primeiro ano da sua implantação, em 1995, houve um significativo ingresso de estudantes pobres. O percentual dos estudantes aprovados que tinham renda familiar até três salários mínimos aumentou de 13,8% , em 2004, para 22,9% , assim como diminuiu o percentual dos que tinham renda familiar acima de vinte salários mínimos. Eram 15,5% , em 2004, e passaram a ser 10,4% , em 2005. A diminuição de estudantes oriundos das classes médias é visível. Não é à toa o aumento, nos últimos três anos, das demandas para a “assistência estudantil”, assim como o descontentamento do sistema privado e dos cursinhos pré-vestibulares com a implantação das ações afirmativas. Milton Santos em entrevista já dizia que as classes médias no Brasil querem é privilégio e não cidadania.
O terceiro argumento - “a propaganda cerrada em favor das cotas...” é cínico e enganoso. Um levantamento quantitativo e a análise de conteúdo de editoriais, matérias e artigos nos jornais de grande circulação no país indicam privilegiados espaços concedidos, com regularidade, aos que são contra as ações afirmativas, muitos dos quais assinam o abaixo-assinado. Então, onde está a propaganda? Há, sim, uma desigualdade na ocupação de espaços na mídia.
O quarto argumento é cinicíssimo: “(...) a crítica informada dos sistemas de cotas nunca afirmou que estudantes cotistas seriam incapazes de acompanhar os cursos superiores ou que sua presença provocaria queda na qualidade das universidades”. No período que se seguiu à institucionalização do sistema de cotas nas universidades estaduais do Rio de Janeiro e da Bahia, assim como nas universidades federais, a exemplo da UFBA, UnB e UFPR, o argumento do mérito sempre foi recorrente: os estudantes cotistas não teriam condições de obter um bom desempenho nas universidades, devido à falência do sistema público de ensino. Daí, o vaticínio: haveria queda da qualidade de ensino nas universidades.
Um aforismo de Nietzsche é pertinente: “pensar mal significa tornar mau - As paixões se tornam más e pérfidas quando são consideradas mal e perfidamente” (Livro 1 $ 76). Um olhar mais acurado pelos intelectuais e artistas que assinam o manifesto indicaria a pluralidade de objetivos e sentidos nas decisões dos conselhos universitários das mais de quarenta instituições públicas que adotarem programas de inclusão diferenciada para estudantes oriundos das escolas públicas, negros e indígenas.
Daí, as perguntas poderiam ser: qual o impacto dessas mudanças nas nossas vetustas instituições? Por que a maioria da população brasileira, segundo o Instituto DataFolha, passou apoiar as ações afirmativas? O que significou para as sociedades indígenas, como a dos Pataxós, no sul da Bahia, a inserção em espaços seculares de reprodução das elites baianas?
Uma outra pergunta que deveria ser refletida é: qual a razão de atualizarmos na nossa história recente uma “obsessão” por cotas? São vários exemplos. Nos anos quarenta, o governo de Getúlio Vargas instituiu um sistema de cotas para trabalhadores nacionais. Em 1968, os técnicos do Ministério do Trabalho, devido às denúncias de preconceito racial, propuseram reserva de vagas para negros na empresas. No final do regime militar, o governo João Figueiredo determinou a reserva de vagas no curso de Medicina Veterinária para estudantes filhos de fazendeiros, popularmente denominada “Lei do Boi”.
O abaixo assinado entregue ao presidente do Supremo manifesta preocupação com as “divisões perigosas” e a racialização na sociedade brasileira. Um temor é catastrófico: o nosso futuro indica conflitos irreparáveis com a adoção da política de cotas. A ironia é cabal. Um simples exercício do pensamento social brasileiro e da historiografia mostra que os intelectuais somos desastrosos quanto a vaticínios sobre o futuro do país. E isto, desde o século XIX, não é exclusivamente brasileira.
A entrega do abaixo assinado no Supremo foi um rito. E os seus autores e autoras não querem que este ritual se esgote. Há quase dois anos, um abaixo-assinado foi entregue ao presidente do Congresso Nacional e, como o segundo, também foi midiatizado. Se o propósito da espetacularização é evitar a agonia dos nossos mitos pretéritos, nada mais justo que impedir, com certa periodicidade, o seu sacrifício. Como rito, objetiva-se a sua reiteração no espaço público, principalmente, o macro-institucional. Resta saber para quem será dirigido o próximo abaixo-assinado. Ao presidente da República?
Convido os colegas antropólogos, sociólogos, cientistas políticos e historiadores que o abaixo assinado a se debruçarem sobre os dados do impacto do sistema de cotas em universidades brasileiras, comparando-os e criticando-os. Não é este o fazer científico? O problema é que meus neurônios não me facultam a possibilidade de tocar um simples berimbau. Que diabo de baiano, é esse?

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Coordenador do curso de medicina da UFBA renuncia cargo

Em nota, Antonio Natalino Dantas pediu desculpas pelas declarações.
Ele atribuiu o baixo rendimento do curso no Enade ao "baixo QI dos alunos".

O professor Antonio Natalino Manta Dantas, coordenador do curso de medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), renunciou ao cargo neste final de semana, quatro dias após ter declarado que o baixo rendimento alunos do curso de medicina no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) estava relacionado ao "baixo QI dos estudantes" e que "o baiano só toca berimbau porque tem uma corda só. Se tivesse mais [cordas], não conseguiria".

As afirmações de Dantas repercutiram negativamente e fizeram o reitor da universidade, Naomar Almeida Filho, determinar a abertura de procedimento administrativo para avaliar as afirmações do professor Dantas e também convocar uma auditoria acadêmica para avaliar as condições do curso de medicina.

Dantas emitiu uma nota neste domingo (4) para informar a renúncia, mas o documento não foi entregue oficialmente para a reitoria da universidade. O chefe de gabinete, Aurélio Lacerda, no entanto, confirmou a renúncia e disse que mesmo assim a postura do professor Dantas - como coordenador e por causa das declarações - será investigada. O G1 tentou falar com Dantas nesta segunda-feira (5), mas ele não atendeu o telefone.

"O professor Dantas está a beira da aposentadoria compulsória, pois em seis meses ele completa 70 anos. Mesmo assim, os procedimentos administrativos continuarão abertos, pois a universidade tem que investigar a responsabilidade dele no desempenho do curso e também tem que investigar as declarações dadas", disse Lacerda.

Na nota, segundo informações do jornal 'O Estado de S.Paulo', Dantas pede desculpas pelas declarações. "Por força de um estado emocionalmente comprometido e por uma profunda tristeza, uma irritação incomum e um assomo de destempero arrastaram-me a uma manifestação inadequada, da qual expressamente me redimo", diz o texto. "Ela não reflete o que vem do meu íntimo, não traduz o meu pensamento, o que, aliás, vem sendo reconhecido e externado pelas pessoas que me conhecem."

Segundo Lacerda, nessa segunda-feira professores e funcionários da UFBA estão reunidos para avaliar as condições do curso de medicina. Nesta terça-feira (6), o colegiado de professores do curso de medicina também se reúnem e devem convocar uma eleição para nomear um novo coordenador para o curso.

Surto de imbecilidade

O governador da Bahia, Jaques Wagner (PT-BA), considerou como um "surto de imbecilidade" as declarações do coordenador. O governador falou ainda que Dantas deveria ter assumido com naturalidade o resultado negativo e não fazer uma declaração dessa forma.

A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), ligada ao Ministério Público Federal na Bahia (MPF/BA), também vai apurar as afirmações do professor Dantas sobre "a suposta inferioridade intelectual do povo baiano e de algumas de suas manifestações culturais".

O procurador da República Vladimir Aras instaurou procedimento administrativo para investigar o fato e solicitou informações da reitoria da universidade sobre as providências que adotará em relação às declarações. Aras quer saber também se haverá sindicância ou processo administrativo disciplinar e sobre a possibilidade de afastamento preventivo do professor.

Baixo QI

Procurado pelo G1 na quarta-feira (30), Dantas reafirmou as declarações sobre o desempenho dos estudantes. "O QI dos alunos de medicina é baixo sim. Como vou dizer que eles têm QI alto se eles foram mal em uma prova que o resto do Brasil foi bem? Que eu saiba, não houve boicote à prova do Enade. Então eles [os alunos] mesmos se submeteram à vergonha nacional", diz o professor Dantas.

Segundo ele, a faculdade não é a responsável pelos resultados ruins. "Temos um corpo docente muito qualificado com 90% dos professores com mestrado ou doutorado. Além disso, temos boa infra-estrutura", diz.

Veja aqui as notas dos 103 cursos de medicina avaliados pelo MEC

Para Dantas, os resultados do Enade mostram a inferioridade dos alunos de medicina da UFBA com relação aos estudantes de outras faculdades de medicina do país. "Eles são piores. As pessoas não gostam de admitir que são inferiores. Mas eu acho que admitir que somos piores é uma questão de humildade e só assim poderemos melhorar", avalia o coordenador do curso.

Nota 2

O curso de medicina da UFBA obteve nota 2 no conceito Enade e no Indicador de Diferença entre os Desempenhos Observado e Esperado (IDD), em uma escala de 1 a 5. Segundo o MEC, as 17 instituições que serão supervisionadas serão notificada a partir da semana que vem e terão de apresentar um relatório justificando os problemas e propondo mundanças.

O curso de medicina da UFBA é o mais antigo do país, segundo o MEC, e comemorou 200 anos recentemente.

Fonte: g1.globo.com

Fundação Palmares: A Universidade Pública Brasileira não pode ser palco de ações discriminatórias


05/05/2008
Nota Pública


A Universidade Pública Brasileira não pode ser palco de ações discriminatórias

A Fundação Cultural Palmares, responsável pela preservação, valorização e difusão das manifestações culturais de origem negra no Brasil, por meio da sua diretoria colegiada, vem a público expressar a sua profunda indignação com as opiniões e comentários do Professor Doutor Antônio Natalino Dantas, coordenador do Colegiado de Cursos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Ofensivos, discriminatórios e preconceituosos, os comentários do Professor Natalino responsabiliza os baianos com um todo e os afro-descendentes no particular, pelo baixo desempenho dos estudantes da Faculdade de Medicina no último Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE).

Este episódio torna-se mais grave pelo fato de o referido professor ocupar cargo de relevância na estrutura universitária brasileira, eleito pelos seus pares. Revelou-se ainda a força do preconceito e do racismo ainda presentes na sociedade brasileira, notadamente em espaço que deveria ser a linha de frente da defesa da igualdade e da diversidade - a Universidade Pública brasileira. Os comentários do Professor Natalino merecem ainda o repúdio por que expressam não apenas uma opinião pessoal ou um deslize momentâneo, mas o pensamento, ainda vigente no Brasil, de que a presença dos afro-descendentes e sua contribuição para a formação do país é um elemento menor e negativo do ponto de vista civilizatório.

Quanto às cotas para negros nas universidades públicas brasileiras, a opinião preconceituosa do professor, responsabilizando os cotistas pelo baixo desempenho no ENADE, é a que tem balizado a exclusão dos negros do ensino superior no Brasil. Não há nenhuma prova, por mais tênue que seja, de que sua afirmação seja verdadeira. Pelo contrário, pesquisas, estatísticas e o desempenho dos cotistas têm apontado que o aproveitamento escolar dos estudantes cotistas tem sido igual ou superior aos não-cotistas. Portanto, continuar a luta contra a discriminação racial, ampliar os mecanismos de acesso ao ensino superior para os afro-descendentes e implementar as políticas de ações afirmativas em todos os campos do conhecimento será a resposta mais efetiva que a sociedade baiana poderá dar a estas manifestações de preconceito e discriminação.

Por fim, a Fundação Cultural Palmares expressa a sua mais profunda solidariedade com a posição adotada pelo Reitor da Universidade Federal da Bahia, Professor Naomar Almeida, na certeza de que o seu firme posicionamento pelo afastamento do Professora Natalino da coordenação do Colegiado de Cursos será acolhido pela egrégia Congregação da Faculdade de Medicina. Aliado a isto temos a convicção de que a luta pela melhoria da qualidade do ensino superior no Brasil e a democratização do acesso, consolidado pelo atual governo continuarão caminhando lado a lado.


Zulu Araújo

Presidente da Fundação Cultural Palmares

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sábado, 3 de maio de 2008

Manuel Querino: um pioneiro no combato ao "racismo científico"


Resumo: Este artigo apresenta a vida, a obra e os elementos constituintes do pensamento de Manuel Querino (1851-1923), um intelectual afro-brasileiro que foi pioneiro na História das Artes da Bahia e o primeiro “mestiço” a dedicar-se à História do Brasil, na reivindicação do papel do africano e do “mestiço” na formação da civilização brasileira, no contexto do “racismo científico” que predominava no século XIX e no início do século XX. Em anexo, encontram-se uma biografia resumida de Querino e um dos seus trabalhos mais relevantes, “O colono preto como fator da civilização brasileira”. Os elementos mais marcantes deste texto são suas referências aos movimentos pela liberdade, inclusive o Quilombo de Palmares, as sociedades beneficentes que ajudaram muitos escravos a comprar a alforria e uma relação dos nomes de negros que contribuíram à sociedade brasileira de várias maneiras.

Palavras-chave: Manuel Querino. Bahia. Brasil. Relações raciais. Racismo científico.

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sexta-feira, 2 de maio de 2008

Racismo "científico"

Pesquisador condena passado da Faculdade de Medicina, onde discursos eugenistas são historicamente recorrentes

Flávio Novaes
As polêmicas declarações do coordenador do curso de medicina da Ufba, Natalino Dantas, não são novidade para o professor Jefferson Bacelar, do Departamento de Antropologia da instituição. “São práticas eugenistas, sim. Ele (Dantas) retrata o pensamento de um segmento expressivo e conservador da Faculdade de Medicina e de boa parte da sociedade baiana, que aponta a presença do negro como fator que impede o crescimento do estado”, contra-ataca. Na avaliação de Bacelar, a grande questão é que esta corrente de pensamento nunca “engoliu” o sistema de cotas. “Teve um professor, que não vou dizer o nome, que afirmou não saber como o filho dele, que tinha um carro de R$60 mil, ia se sentar ao lado de um negro do subúrbio ferroviário”, relata.
Há pelo menos 120 anos o tema volta ao debate acalorado do dia-a-dia, exalta os ânimos e provoca indignação. Polêmicas como as geradas por Dantas são recorrentes no âmbito da academia, principalmente na primeira e bicentenária faculdade do Brasil, e trazem de volta a discussão sobre eugenia. É o que afirmam pesquisadores, que conhecem a história do prédio que já graduou grandes nomes da medicina nacional.
Não é de hoje que Bacelar, também pesquisador do Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceao), vinculado à universidade, tem problemas com professores de medicina. No início dos anos 80, de acordo com o pesquisador, uma batalha _ que envolveu até o Ministério Público _ foi travada para que fossem retiradas peças de candomblés do museu Estácio de Lima. O espaço guardava um acervo médico-legal, com crânios deformados, entre outras peças. “Eles faziam uma analogia entre a religião e aqueles elementos do museu dos horrores, mas conseguimos retirar o material e levamos para o museu Afro”, lembra ele, que, à época, era diretor do Ceao.
Foi justamente o museu Afro-Brasileiro, situado em um dos grandes salões do prédio da Faculdade de Medicina, o motivo de outra grande briga. Segundo Bacelar, durante a sua gestão à frente do Ceao, entre 1997 e 1998, os médicos queriam retirar o espaço do local a qualquer custo, mas não tiveram sucesso. “Na época briguei sozinho, só Vovô do Ilê ficou ao meu lado”, diz. “O fato é que eles sempre tiveram esse pensamento racista, apenas estavam retraídos”, afirma.
Em defesa do seu posicionamento, o professor Natalino Dantas garante que não está sozinho na questão, reforçando o discurso de Bacelar. “Tem muita gente na faculdade contra o que eu disse, mas também tem muita gente a favor”, põe mais lenha na fogueira, sem citar nomes.
Nina Rodrigues - As querelas, porém, são bem mais antigas: remontam ao final do século XIX, quando a faculdade – sempre instalada no Terreiro de Jesus _ convivia com as idéias, hoje polêmicas, do médico legista, professor e etnólogo Raymundo Nina Rodrigues. Precursor da medicina legal no país, Nina Rodrigues, no livro As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil, defendeu a adoção de um sistema penal diferenciado para brancos e mulatos, por acreditar que os descendentes de africanos que viviam na Bahia, recém-libertos da escravidão, formavam uma raça inferior, com pouco contato com a civilização e, por isso, mais afeitos à violência. “Na Faculdade de Medicina de hoje eles ainda têm o mesmo discurso do final do século XIX, o mesmo racismo científico da época”, diz Bacelar. “Só que, naquela época, Nina (Rodrigues) pelo menos foi mais avançado e tinha a preocupação de entender o negro baiano”, completa.
Entrou para a história também a seleção para a cadeira de neuropsiquiatria, em 1896. “Conheço suas tias. São queimadinhas”, ironizou um dos membros da banca examinadora, antes da apresentação dos trabalhos do negro Juliano Moreira. “Há quem se arreceie de que a pigmentação seja nuvem capaz de marear o brilho dessa faculdade. Subir sem outro bordão que não seja a abnegação e o trabalho, eis o que há de mais escabroso. Só o vício, a subserviência e a ignorância tisnam a pasta humana quando a ela se misturam”, discursou Juliano, após receber 15 notas máximas. Depois, publicou mais de cem trabalhos científicos em quatro idiomas (português, alemão, francês e inglês), que serviram de base para diversas áreas médicas, o que lhe rendeu uma vaga na Academia Brasileira de Ciências, em 1917, no lugar de Oswaldo Cruz.
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Movimento negro pede providências à Ufba
Carmen Azevêdo
O movimento negro baiano reivindica que a Ufba adote a postura adequada e dê um basta a atitudes racistas e discriminatórias dentro da instituição. Desde que as declarações depreciativas do professor Natalino Dantas ganharam repercussão nacional, integrantes e lideranças do movimento vêm debatendo o assunto. Eles dizem que alunos afrodescendente, inclusive os que ingressaram na Ufba pelo sistema de cotas, já manifestaram apoio ao movimento negro e prometem pressionar a instituição.
O coordenador nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), Marcus Alessandro Mawusí, define como “lamentável” o “conjunto de besteiras” declaradas pelo professor. “E o pior é que ele estava muito à vontade ao dizer tudo aquilo”, dispara. A grande preocupação de Mawusí é saber que as afirmações racistas partiram de um acadêmico que atua em uma universidade pública e gratuita. “Isso revela uma parcela da opinião pública que pensa de forma intolerante e criminosa. Esperamos que a Ufba e o Ministério Público tomem providências”. Mawusí lembra ainda que as declarações relembram as idéias do século XIX, como a teoria eugenista da superioridade ariana (supremacia da raça branca sobre as demais). “O mais perigoso é a retomada destas idéias dentro de uma Faculdade de Medicina”, destaca.
Para o professor Ubiratan Castro, historiador à frente da Fundação Cultural Palmares, as declarações não devem ser vistas como “individuais” nem “surpreendentes”. Castro se diz antigo conhecedor das posturas de Dantas dentro da universidade. “Sempre com estas idéias, apoiadas por pessoas que o elegem dentro da instituição, ele já acusou preconceituosamente os alunos da Faculdade de Filosofia de ‘drogados’ e ‘maconheiros’”. Além disso, diz o historiador, Dantas já exerceu pressão contra o Museu Afro-Brasileiro, instalado no prédio da primeira Escola de Medicina do Brasil, no Terreiro de Jesus, alegando que arte afro não é arte. Para o especialista, o docente sempre foi protegido pelos conservadores da universidade. “A solução é punir exemplarmente, espero que a instituição mostre que não apóia esse tipo de atitude”.

Fonte: Correio da Bahia 02.05.08

O clube carnavalesco Pândegos d'África, segundo Manuel Querino

Na cidade de Lagos, no mês de janeiro, há uma diversão pomposa, em que se exibem indivíduos mascarados, diversão que designam pelo vocábulo - Damurixá - festa da rainha. Nesta, apenas tomam parte os indivíduos filiados ao clube que se encarrega da festa, não sendo facultativo a quem quisesse mascarar-se.

O soberano com os seus ministros participam daquele divertimento, recolhendo-se antes de terminar para, com as formalidades régias, agradecer.

Em 1897, fora aqui realizado o carnaval africano, com exibição do Clube Pandegos d'Africa, que levou a efeito a reprodução exata do que se observa em Lagos. O préstito fora assim organizado: na frente iam dois príncipes bem trajados; após estes, a guarda de honra, uniformizada em estilo mouro. Seguia-se o carro conduzindo o rei, ladeado por duas raparigas vírgens e duas estatuetas alegóricas. Logo depois via-se o adivinhador à frente da charanga, composta de todos os instrumentos usados pelo feiticismo; sendo que os tocadores, uniformizados à moda indígena, usavam grande avental sobre calção curto. O acompanhante era enorma; as africanas, principalmente, tomadas de verdadeiro entusiasmo, cantavam, dançavam e tocavam durante todo o trajeto, numa alegria indescritível.

Acerca desta festa o Jornal de Notícias de 15 de fevereiro de 1899 assim se externou: "Os clubes vistosamente se apresentaram recolhendo aplausos e saudações dos seus adeptos numerosos. Foram eles: A Embaixada Africana e os Pandegos de Africa, já apreciados de nosso público, porquanto desde uns três anos disputaram-se a palma nessas festas, cuja animação é de justiça dizer, muito lhes deve, pelo capricho com que as sustentam, ambos, ontem, percorreram lúcidos e bem dispostos um longo itinerário em que receberam, por vezes, ruidosas ovações, sendo grande o acompanhamento de povo que lhes dava guarda de honra.

"O estandarte da Embaixada era empunhado pelo rei Ptolomeu - Faraó sobre um grande elefante; e o dos Pandegos de Africa pelo rei - Lobossi à sombra de uma enorme concha, cada um deles tendo pajem aos lados e acompanhados de guarda de honra."

"Foram dois carros bonitos, bem preparados. O préstito dos Pândegos fechava com um carro representando a tenda de Pai-Ojôu; o da Embaixada, com uma crítica."

Fonte: Manuel Querino, Costumes africanos no Brasil, 1938, P. 103-104.


Manuel Querino foi diretor dos Pândegos d'África em 1900. Para mais informações, clique aqui