quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A trajetória de uma “branca colonizadora”

Posted by Picasa
Foto: Christian Cravo

No dia 26/08/08, às 16h, fui xingada de “branca colonizadora” e registro aqui meu protesto e minha auto-defesa. Antes de mais nada, queria lembrar as palavras de Martin Luther King, Jr.: “Sonho com que meus quatro filhos vivam um dia em um país onde não sejam julgados pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter”.
Meus pais são ingleses – portanto sou uma “mestiça”, de acordo com von Martius, carregando nas minhas veias o sangue de anglo-saxônicos, normandos, vikings e celtas. Também sou "mestiça" no sentido cultural. Fui criada em Porto Rico, uma colônia dos Estados Unidos, onde fui discriminada e excluída pelas crianças norte-americanas por causa de meu sotaque inglês. Os porto-riquenhos me aceitavam, observando que eu tinha “algo de diferente”. Para começar, eu me entrosava e identificava com eles naturalmente e falava espanhol sem sotaque.
Quando tinha quase 12 anos, meus pais me levaram aos Estados Unidos, junto com meus irmãos, onde novamente fomos discriminados. O mais velho dos meus irmãos varões (eu sou a primogênita) me disse que, em Porto Rico, foi apedrejado por ser “gringo” e em Nova Iorque foi apedrejado por ser “cucaracha" ("barata" em espanhol - um termo pejorativo utilizado para denominar o imigrante porto-riquenho). Escrevi um conto sobre esta experiência que foi publicado alguns anos atrás no jornal A TardeBilinguarudos de Quenbori.
Para mim, morar numa pequena cidade no interior de Nova Iorque onde todo mundo era branco e a minoria discriminada eram os judeus, foi um choque violento. Já com doze anos, comecei a entender que as pessoas que conhecia em Porto Rico como...pessoas...tinham várias cores, um detalhe que eu, até aí racialmente daltônica, não tinha percebido. Minha reação foi de profunda vergonha pelo tratamento brutal que os negros sofreram e continuavam a sofrer, porque chegamos nos Estados Unidos em 1967, no auge do movimento em defesa dos Direitos Civis dos negros. Mas também cheguei no auge do movimento “Black is Beautiful” e para mim, os negros sempre foram e continuam sendo belos, pelo menos, por fora. Por dentro, são seres humanos, passíveis das qualidades e dos defeitos de qualquer outro irmão da raça humana.
O primeiro negro que conheci nos Estados Unidos – visto que vivia numa cidade totalmente segregada – foi um nigeriano que fazia intercâmbio naquele país. Para mim, ele parecia um príncipe – e acho que realmente é de uma família nobre de sua terra. Tornamos-nos bons amigos – eu já com meus 14 anos – e agora, me dou conta que ele foi meu primeiro “namorico de criança”.
Desde que passei por estas experiências iluminadoras como criança e quase adolescente, dediquei-me de corpo e alma à renúncia e o combate ao racismo. Morando nos Estados Unidos, vi que a cor de minha pele era mal-vista e causava algum desconforto entre negros já traumatizados pelo preconceito e pela violência racial (tanto física como moral) que sofriam e ainda sofrem de maneira cotidiana. Entendi o trauma e nunca critiquei. Apenas tentei superar. Cheguei à conclusão que, infelizmente, ainda sou a exceção, portanto, a desconfiança com a qual “o branco” ainda é visto nos EUA é mais que merecida.
Quando fiz mestrado, tentei entender as relações raciais do Brasil, que são muito diferentes e quase impenetráveis para quem vem de fora. Agora, sei que consegui entender. Vim morar neste país, casei com um negro, tive uma filha com ele e, depois de me separar, adotei outra filha afro-brasileira. Como minhas filhas são negras, eu sofro quando elas são discriminadas de qualquer maneira. Mas, porque minha pele é branca, a faca tem dois gumes e me corta de ambos os lados.
A pessoa que me xingou de “branca colonizadora” é “negra por conveniência”. Jamais foi, é ou será discriminada por causa da aparência, pelo menos, no Brasil. Talvez por isso, ela não conheça a dor que qualquer ser humano sente quando é “julgado pela cor de sua pele” e não “pelo conteúdo de seu caráter”.
Apesar da humilhação e da injustiça sofridas - até estimulada por elas - continuo na luta pela justiça, pela valorização de todos e principalmente, pelo fim do preconceito em todas suas formas. Concluo esta narrativa com outras palavras de Martin Luther King Jr: “O arco moral do universo é longo, mas se inclina na direção da justiça”.
Sabrina Gledhill

2 comentários:

Unknown disse...

Sinto-me feliz e orgulhosa por te ao lado daqueles que são descriminados independentes do tipo de preconceito sofrido e por saber que ainda existem pessoas como você. Onde o ser humano está acima da cor, da raça e etnia.

Josemara Souza
CEN - Coletivo de Entidades Negras Camaçari
Coordenação de Mulheres

Sergio Guedes disse...

Comovente e verdadeiro testemunho!
Bravos Sabrina!