Diário Oficial de Sexta-feira - Nº 19854 - 21/11/2008 - Ano XCIII
Um evento tão grandioso que não coube em si mesmo. Assim pode ser definida a sessão especial que homenageou o Dia da Consciência Negra, realizada ontem na Assembléia Legislativa, que teve como tema a luta pela vida e a liberdade religiosa. Depois de aberta pelo presidente Marcelo Nilo (PSDB), e feitos os dois primeiros discursos, foi a vez da saudação aos alabês: representantes das diversas nações apresentaram seus cantos e seu discurso, ao som dos atabaques e palmas e ginga da platéia. "Declaro aberta a presente sessão", anunciou Mãe Eunice, referindo-se ao mundo das matrizes africanas.
A ocasião era de comemoração de conquistas e de homenagem aos líderes negros, mas o deputado Bira Corôa (PT), proponente da sessão, fez questão de lembrar as origens, quando famílias africanas inteiras foram desgarradas e desintegradas para facilitar a opressão nas colônias. Neste contexto, avaliou, o sincretismo religioso se configurou como uma forma de sobrevivência e preservação dos valores culturais. "A Bahia é o estado mais negro do país e Salvador é a terceira cidade mais negra do mundo, só ficando atrás de duas outras africanas", enfatizou. Ele também elogiou o presidente Marcelo Nilo, cuja ação, segundo ele, fez da AL realmente uma Casa do povo, propiciando acesso a todos.
O subsecretário federal de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Perly Cipriano, definiu que "o Brasil só será uma nação quando não houver mais nenhuma forma de discriminar". Ele disse que as religiões de matrizes africanas foram grandes quilombos de resistência e foi uma das primeiras a ter sacerdotisas. Mas ele defendeu que é preciso que essas religiões busquem sua identidade para poder dialogar com as demais. "Não queremos nem mais nem menos direitos", disse, afirmando que, se uma crença pode ter acesso a hospital ou presídio para prestar assistência, todas devem ter, assim como o direito a exercer capelania. Com isso, arrancou aplausos da platéia.
EQUILÍBRIO
Quem esperava que a vitória de Barack Obama, nas eleições do Estados Unidos, ia ser a tônica dos pronunciamentos se enganou: ela foi citado por muitos, mas o ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela, não só foi lembrado tal e qual, como também suas idéias foram citadas. O deputado Yulo Oiticica ocupou a tribuna para dizer que, como católico, se via representado pela imagem do Cristo no plenário e que deveria haver imagens de outras religiões para que todos abençoassem o Parlamento. A defensora Pública Geral, Teresa Cristina Almeida, se disse extasiada "com tudo que a gente tem que aprender com vocês".
O promotor de Combate ao Racismo Almiro Sena ocupou a tribuna para pedir ajuda espiritual para manter o equilíbrio entre o ímpeto da irresponsabilidade e a acomodação da covardia, dizendo empunhar "a espada desenbainhada da justiça e o arco de Oxóssi". Ele vislumbrou também que não está distante o dia que uma negra ou um negro chegará ao poder político e econômico no país e no estado, lembrando o "Yes, we can" (sim, nós podemos), de Obama. A deputada Fátima Nunes (PT), presidente da Comissão da Igualdade Racial, falou sobre o Estatuto da Igualdade Racial, que está tramitando na AL.
Foram muitos e quase incontáveis pronunciamentos na tarde/noite de ontem. Vendo o plenário se esvaziar e avisado de que o horário regimental encerrava-se às 18 horas, o representante do Coletivo das Entidades Negras, Marcos Rezende, ocupou a tribuna para pedir paciência e solidariedade aos presentes. Para ele, resistir ao cansaço de algumas horas de sessão não se compara ao sofrimento histórico de uma raça. A conclamação valeu, pois o local voltou a ficar cheio e os presentes, entusiasmados e participativos.
Aplaudiram o mestre Curió de capoeira angola, que afirmou que "sempre que o negro quer se expressar, a hora está defasada", sobrando tempo para quem domina o sistema. "O chicote da caneta é pior e chega mais rápido", definiu. José Raimundo Troccoli, sacerdote umbandista, disse ter sofrido discriminação de órgãos da prefeitura de Salvador ao promover a comemoração dos cem anos da umbanda. Representante da Luta Contra a Intolerância Religiosa, a ialorixá Jaciara de Oxum definiu que "não tem uma religião melhor do que a outra. A melhor religião é aquela que faz as pessoas se sentirem melhor". Jaciara é filha de mãe Gilda de Ogum, cuja morte por enfarte em 2000 foi atribuída às perseguições religiosas que sofreu. A sessão acabou com a concessão pela Assembléia Legislativa de 23 placas honoríficas a 23 personalidades do movimento negro e dos terreiros religiosos, por contribuições significativas à sociedade.
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