quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Traficantes instalam boca de fumo dentro de terreiro de Mãe Stella

Jorge Gauthier | Redação CORREIO Os espaços sagrados dos terreiros de candomblé não estão mais imunes à violência. A força dos orixás não conseguiu impedir que, na área de mata atlântica dentro do terreiro Ilê Axé Opó Afonjá, de Mãe Stella de Oxóssi, no São Gonçalo do Retiro, criminosos montassem uma cabana para servir de quartel para venda e distribuição de drogas na Baixinha de Santo Antônio.
O espaço físico da cabana em meio a árvores e plantas sagradas, montado com mesa de tampo de vidro, cadeiras, balança de precisão e sofás, foi destruído pela polícia há quatro meses. Contudo, segundo o delegado Adailton Adam, titular da 11 ª Delegacia (Tancredo Neves), responsável pela área, o ambiente ainda continua sendo usado pelos traficantes. “Eles permanecem entrando na área do terreiro através do muro que está sendo construído para embalar e distribuir drogas e dividir roubos”, conta.
Insegurança
Os usuários de crack, maconha e cocaína ameaçam os templos e moradias dos filhos-de-santo. Os frequentadores do terreiro contam que, no último ano, têm sido constantes os arrombamentos aos cerca de 130 imóveis existentes na área de 39 mil metros quadrados do terreiro, que foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Somente na última semana, foram invadidas as casas dedicadas a Iemanjá, Oxalá e Oxum. Nos imóveis erguidos para Iansã, Ogum e Omolu, foram arrancadas as inscrições com os nomes dos orixás, feitas de bronze. Já na última quarta-feira de dezembro, foi levado o cofre com oferendas depositadas por fiéis para Xangô. No mesmo dia, os ladrões invadiram a casa de Oxalá, de onde levaram um botijão de gás, depois de entrar pela janela e arrombar 28 portas dos filhos-de-santo.
“Moram cerca de cem famílias na área do terreiro. Os ladrões costumam entrar na casa quando ela está vazia, levam dinheiro, bagunçam tudo. Nas casas dos orixás, eles se aproveitam quando não tem ninguém”, conta o presidente do Conselho Civil da Sociedade Cruz Santa do Axé Opô Afonjá, Ribamar Daniel, que frequenta o terreiro há 20 anos. Ele contou ainda que o conselho do terreiro decidiu encaminhar ofícios aos Ministérios Públicos Federal, Estadual e Iphan, solicitando apoio e proteção ao terreiro.
Desrespeito
Além dos roubos, os usuários de drogas fazem das varandas dos imóveis dedicados aos orixás “rodas” para fumar maconha e fazer sexo. “Canso de ver gente fumando e transando aqui, na frente da casa de Oxóssi”, indigna-se um ogã que há 51 anos mora no terreiro.
A líder religiosa do terreiro, Mãe Stella, não acredita que as ações violentas contra o Ilê Axé Opô Afonjá estejam relacionadas com intolerância religiosa. “Isso é coisa de jovens levados pelo tráfico de drogas. Eles têm falta de amor próprio, só assim podem ter coragem de profanar um local sagrado. Não se consideram como gente”, reclamou.
Muro da discórdia
A área do terreiro, segundo o delegado, está encravada em um bolsão de tráfico de drogas. “Isso facilita que os bandidos invadam o terreno. Os fundos são colados na invasão Baixinha do Santo Antônio, um dos cinco pontos mais perigosos da área ”. Os outros quatro, segundo o delegado, são o Arenoso, Buracão, Suvaco da Cobra e Rua do Canal.
Nos últimos meses, a direção do terreiro, em parceria com a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), resolveu construir um muro de concreto para separar o terreiro da invasão. O muro está sendo construído no limite da quadra de esportes, que não é usada pelo terreiro. Traficantes, porém, já mandaram avisar que vão derrubar o muro.
“A ocupação desordenada tirou espaço do terreiro, que antes chegava até a BR-324. Hoje, a construção do muro é necessária para proteção. Nosso espaço precisa ficar separado”, disse Mãe Stella, que este ano comanda a festa em comemoração ao centenário do terreiro.
O delegado destacou que o terreiro deve promover o isolamento. “Indiquei que a administração do terreiro acabe com a quadra e plante mais árvores no local. Isso vai dificultar o uso do espaço para o crime”, analisou.
Na madrugada de domingo, bandidos arrombaram o depósito da Conder, onde roubaram carro de mão, picaretas e vigas de ferro. Os operários que trabalham na construção contam que recebem constantes ameaças. “Ficarmos cercados é um retrocesso da nossa religião, que tanto lutou pela liberdade de culto. No passado, convivemos muito com a intolerância, até da própria polícia. Mas nesse momento, o muro é a melhor opção”, completou a religiosa.
A área próxima ao muro é um campo minado, cheio de informantes. Ao perceber a chegada de estranhos, os assobios de aviso aparecem rapidamente. Em menos de um minuto, já surgem pessoas circulandonoaltodas casasao lado do muro. “Eles temem que sejam a polícia”, avalia um membro do terreiro.
Pouca proteção
Nos fundos das casas de santo, a área de matagal é o esconderijo predileto dos assaltantes, usuários e traficantes de drogas. Para todo o terreno, entre mata e residências, há apenas um segurança, desarmado, da empresa GPS Vigilância. Além de percorrer o terreno, o segurança ainda tem que fazer, às vezes, de porteiro.
O delegado indica que, por ser uma área privada, a responsabilidade de manter a segurança é do terreiro. Contudo, como há vigilância particular, os funcionários serão ouvidos para prestar esclarecimentos sobre os furtos. “O valor de manutenção da guarita com o segurança é pago, desde 2008, por um frequentador do terreiro. Isso foi preciso depois que roubaram 200 cadeiras do barracão”, explica Ribamar. Além disso, a PM faz rondas na área do terreiro, quando chamada.
Investigações
Na quarta-feira (7) pela manhã, o desempregado Marcos Conceição Evangelista, 27 anos, morador do São Gonçalo, foi detido para averiguação por policiais da 11ª Delegacia sob a acusação de integrar o grupo que vem assaltando o terreiro de Mãe Stella. “Pelo menos 60 botijões foram roubados nos últimos meses. Testemunhas reconheceram o Marcos, que agiria com outro jovem, de nome Flávio”, disse o delegado.
Terreiro é destruído a marretadas e bombas
Bombas, marretas e metralhadoras foram usadas para colocar no chão um terreiro de candomblé na invasão Babilônia, no bairro de Tancredo Neves. A demolição, promovida por traficantes da região em 20 de dezembro do mês passado, ocorreu quatro dias após o pai-de-santo do terreiro, José dos Santos Bispo, 43 , conhecido com pai Santinho, ser assassinado a tiros em sua casa, que ficava no mesmo prédio do terreiro.
No dia da derrubada do imóvel, os foguetes anunciaram a festa em frente aos restos do templo. O afilhado do pai Santinho, zelador-de-santo Eraldo Silva, conta que filhos-de-santo foram expulsos do local pelos traficantes. “Ogãs receberam ordem para sair e não pisar mais na Babilônia. Tudo foi destruído. Até uma bomba jogaram na casa de Exu. Foi o maior desrespeito a nossa religião. Os traficantes botam todo mundo para correr de lá”, disse Silva, que possui um terreiro em Valéria.
Pai Santinho, que chegou a morar na Itália e era travesti, foi encontrado com marcas de tiros no banheiro de sua casa. O religioso foi morto, em 16 de dezembro de 2009, após ter denunciado que um de seus filhos-de-santo havia sido assassinado.
O delegado Adailton Adam, titular da 11ª Delegacia, unidade responsável pelo caso, esclarece que ainda não é possível afirmar que essa tenha sido a motivação do crime. “Pelas investigações identificamos que três traficantes (Sassá Cebola, Bahia e Budé) cometeram o homicídio, mas eles estão foragidos. Só quando prendermos será possível saber a motivação”.
Os assaltos ao terreiro de Mãe Stella, e a demolição do de pai Santinho, em Tancredo Neves, segundo o delegado Adailton, não são as principais ocorrências da área. “ São 27 homicídios por mês na região. As ruas são estreitas e o tráfico de drogas é muito pulverizado ”.
Violência ameaça papel social
Mariana Rios

Já não bastam defesa e proteção dos orixás. Muros precisam ser erguidos e até segurança privada evocada. Após anos de perseguição policial e até exigência de uma licença - abolida em 1970 pelo governador Roberto Santos - os terreiros de candomblé vêm conhecendo um novo lado perverso, estimulado, segundo historiadores, pela violência e intolerância religiosa. “Há uma mudança de atitude em curso. Há dez anos, não se roubava nem baiana de acarajé, por medo de maldição e dos orixás”, explicou o historiador e diretor geral da Fundação Pedro Calmon, Ubiratan Castro.
Segundo Castro, aos poucos está se perdendo “o caráter de aldeia de bom coração”, atribuído aos terreiros. “Não vai dar para manter as portas abertas à comunidade. É um sofrimento esse endurecimento das relações”, disse o historiador, que cita o Parque São Bartolomeu, no subúrbio ferroviário, como exemplo de área perdida para o crime.
Para o pesquisador, historiador e professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Jaime Sodré, a agressão ao terreiro de Mãe Stella é um ato de barbárie. “Foi um gesto absurdo de primatização, de retorno ao primitivo. Cabe à polícia dar uma resposta aos orixás”.
Líderes do candomblé ficam indignados com ataques a terreiro
Os ataques a um dos terreiros mais populares do país causaram indignação a líderes religiosos do candomblé de Salvador. Ialorixá do Terreiro Gantois, no bairro da Federação, mãe Carmem de Oxalá desabafa: “É uma falta de respeito pela fé, pelo ser humano e ao patrimônio da humanidade”.
A revolta é compartilhada também por mãe Índia, do Terreiro de Bogum, no Engenho Velho da Federação. “Nunca tivemos problemas com eles (bandidos), mas não estamos livres de um ataque. Sinto por Mãe Stella, ialorixá respeitadíssima no Brasil”, disse.
Para o pai-de-santo Anselmo Santos, o Tata Dya Nkis do Terreiro Mokambo, na Vila Dois de Julho, a humanidade está desamando. “As pessoas estão matando por um par de tênis. Não estão valorizando a vida, uma dádiva de Deus”.
Federação de culto afro pede a Wagner apuração rápida
A Federação Nacional do Culto Afro-brasileiro (Fenacab) encaminhou ao governador Jaques Wagner um documento solicitando providências em relação aos ataques e à violação do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá. “Pedimos mais segurança e uma apuração rápida para este crime”, explicou o presidente da Fenacab, Aristides Mascarenhas.
Núcleo da PM orienta terreiros
Criado em 2005, o Núcleo de Religiões de Matriz Africana da PM da Bahia (Nafro-BA) orienta pais e mães-de-santo sobre como agir em casos de invasão dos espaços sagrados. Também faz a aproximação entre os comandantes da PM e os terreiros. “Nesta quarta-feira (6), recebemos a denúncia de um terreiro no Jardim Santo Inácio que foi invadido. O babalorixá prestou queixa na 10ª Delegacia e procurou o Ministério Público”, contou o coordenador geral , sargento Eurico Alcântara. Para receber orientação basta ligar para o telefone do Nafro.
Endereço
Travessa D‘Ajuda, Edf. Sulamérica, sala 303, Centro. Tels: (71) 3321-7859
(Notícia publicada na edição impressa do dia 7 de janeiro de 2010)
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