quinta-feira, 8 de julho de 2010

Cem anos de solidariedade

Ildásio Tavares

Tem-se falado levianamente das origens do candomblé. Na Sociedade de Ciências de Paris ficou proibida qualquer tese sobre origens. É muito difícil precisar o ponto de partida de um fenômeno histórico, cultural ou antropológico.
Sabe-se da presença esparsa de africanos da costa ocidental desde Tomé de Souza, em cuja frota vinha Carlos de Lagos, um evidente nigeriano. É óbvio que os adeptos do culto dos orixás, mesmo vindo sós (ou apenas com suas famílias) deveriam ter trazido seus manes, seus penates, seus deuses lares como os orixás eram cultuados na África Ocidental, por aqueles do ramo Kwa como nos ensina a mestra de todos nós, Yeda Pessoa de Castro.
Entretanto, a institucionalização do culto pode ter sua origem (aproximada) aferida pela venda de levas de escravos após conflitos inter-étnicos entre os negros. Sabe-se que o Reino de Ketu
cai por volta do final do século XVIII. E que antes desta queda duas princesas gêmeas, filhas do rei de Ketu foram vendidas ao Brasil e uma delas Otampê Ojarô plantou o axé do Terreiro do Alaketo. Este é, sem dúvida, o terreiro mais antigo do Brasil.
Mas não muito atrás vem o Ilê Ya Nassô ati Bamboshê Obitikô, Casa Branca do Engenho Velho que, usando critério semelhante,de datação, deve ter sido fundado após a queda do Reino de Oyó, aproximadamente em 1839. Desta raiz sai o Ilê Yaomi Axé Yamassê, Terreiro do Gantois, provavelmente em 1865.
Fazendo o seu centenário este ano, o Ilê Axé Opô Afonjá tem uma charneira líquida e certa em documentos de época e na data escrita no frontão da primeira casa deste egbé, fortuna da fundadora do terreiro, Mãe Aninha, ter encontrado, de cara, uma fonte, e ali erigiu uma casa para abrigar sua Yemanja de nação Grunci, tabu para os homens entrarem.
Mãe Aninha. Eugênia Ana dos Santos. Mais que uma yalorixá, uma estadista. Fundou um poderoso quilombo que está de pé e que teve em suas sucessoras um constante acrescento de grandeza. Falava francês. Tocava piano.O Alafin de Oyó deu-lhe o título de Yá Nassô – O Opô Afonjá é uma réplica de Oyó. Lá, o Alafin é um Xangô encarnado, A Yá Nassô e o Balé Xangô os sacerdotes supremos. Afonjá foi destronado pelos muçulmanos. Ela assentou o Xangô Afonjá, ela própria era a Ya Nassô e Theodoro Pimentel o Balé Xangô.
Conflitos entre Mãe Aninha e Theodoro, fizeram-na criar o corpo mítico e místico dos 12 Obás de Xangô, disseminando o poder masculino. Mãe Senhora, outra estadista, ampliou o corpo para 36, com os ossi e otun e consolidando-o. Após um breve reinado de Bada, viria Mãezinha. Austera, recatada, fina mão de jogo, generosa, Ondina Valéria Pimentel, a que nasceu no mar, seria sucedida pela estrela mais fulgurante do candomblé, até no nome, Mãe Stella, outra estadista, além do culto, líder a iluminar o povo negro, com seu saber, seus livros. Que continue a nos iluminar por mais cem anos de grandeza e glória do Ilê Axé Opô Afonjá, Motumbá, minha mãe Axé.

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