sábado, 4 de fevereiro de 2012

RELATO DE UMA DEPLORÁVEL CENA DE RACISMO, VIOLÊNCIA FÍSICA E XENOFOBIA

MACACO E NEGRO-PREGUIÇOSO?

  RELATO DE UMA DEPLORÁVEL CENA DE RACISMO, VIOLÊNCIA FÍSICA E
XENOFOBIA

  PREZADOS COLEGAS, AMIGOS E PROFESSORES,

  Venho por este meio, narrar um triste episódio envolvendo atos de
discriminação racial, violência física e xenofobia, do qual eu
Orlando Santos e Valdinéa Sacramento, estudantes da Universidade
Federal da Bahia, fomos as vítimas.

  Eram cerca de 11 horas do dia 12 de janeiro do ano em curso, por
sinal dia da LAVAGEM DO BONFIM, quando saí de casa com destino
ao EDIFíCIO SãO RAFAEL, SITUADO NA RUA TUIUTI, LARGO DOIS DE JULHO.
O propósito foi, junto com Valdinéa, tratar de questões de caráter
acadêmico-profissional. Terminado o trabalho e, num dia de muito sol
e bastante calor, decidimos brindar o sucesso de um dia produtivo de
trabalho com uma cervejinha e trocar algumas ideias relacionadas às
nossas pesquisas de doutorado em curso.

  Optamos então por ficar na barraca do Senhor Zé, situada em
frente ao edifício São Rafael, onde mora Valdinéa. Nos aproximamos
da barraca de Zé e, fizemos o nosso pedido. Sentados, começamos a
conversar. Havia outras pessoas conversando e bebendo cerveja.
Instantes depois, três das cerca de quatro pessoas que se encontravam
no espaço se ausentaram, ficando apenas um senhor de idade que as
acompanhava. Escutando o MEU SOTAQUE DIFERENTE, perguntou de
onde eu era e começou um diálogo comigo e Valdinéa, narrando sua
experiência no Gabão, no início da década de 70, experiência por
ele classificada como péssima e ruim, como já se tornou norma nesses
relatos pitorescos de ?viajantes?, onde a busca intencional pelo
caótico e exótico acaba por ofuscar qualquer diálogo real e
equitativo com o contexto local.

  Após escutar atentamente o relato do senhor sobre o GABãO,
procurei acrescer alguns elementos de contextualização histórica
sobre o referido país, localizado na costa atlântica da região
central do continente africano. Lembrando que no ano de 1970, Gabão
tinha cerca de uma década de independência política e que, trata-se
de um país que devido à abundância de recursos naturais,
investimentos privados e boa gestão pública, tem sido considerado
pelas estatísticas internacionais como um dos países mais prósperos
da região subsaariano do continente africano, mas como é de praxe, o
homem se mostrou irredutível na sua análise.

  Nesse momento aproxima-se de nós um individuo, fora do contexto do
nosso diálogo, em tom agressivo, gritando ?OS AFRICANOS é QUE
COMEçARAM COM TRáFICO DE ESCRAVOS, SãO ELES OS RESPONSáVEIS PELA
ESCRAVIDãO?, por essa altura, disse a esse senhor que iria me
retirar desse tipo de debate e me afastei um pouco. Não conformado, o
intruso de nome LáZARO AZEVEDO, MORADOR DO EDIFíCIO TUIUTI, 33,
APARTAMENTO 201, num tom agressivo foi insistindo em manter a
conversa. Voltei a dizer que me recusava a responder as suas
infundadas provocações, primeiro porque estava visivelmente
embriagado e, segundo porque sua fala demonstrava uma ausência do
mínimo de conhecimento sobre a história da Bahia, do Brasil e muito
menos do continente africano.

  Fracassado no campo das idéias e visivelmente incomodado, o
indivíduo decidiu apelar para a ação ?PIT BULL? tentando me
agredir fisicamente, desferiu um murro em direção a mim, atingindo
de raspão a parte direita do meu rosto. Ainda assim evitei qualquer
tipo de confronto corporal. Nessa altura, Valdinéa que estava do
outro lado da rua, conversando com uma colega que passava, correu para
junto de nós para tentar apaziguar. Ainda assim, o homem esbanjando
ódio pelos poros tentava se atirar contra mim.

  Daí que, optamos por nos retirarmos do local mas, quando nos
dirigíamos a porta do edifício onde mora Valdinéa, o indivíduo nos
perseguiu até a portão tentando ainda nos agredir fisicamente. Foi
nesse momento, quando o porteiro do edifício se aproximou para evitar
que fôssemos agredidos, afastando o indivíduo de nós, este
inconformado e num ato da mais extrema covardia e crueldade deu um
tapa na cara de Valdinéa que se desequilibrou e caiu na escadaria da
entrada do prédio, não acontecendo o pior porque me encontrava ao
lado e consegui evitar que batesse a cabeça num dos degraus.

  Ainda insatisfeito, o indivíduo tentou invadir o edifício, e não
tendo sucesso, partiu para agressão verbal me xingando de
?MACACO?, ?NEGRO PREGUIçOSO? e Valdinéa passou a ser a
/?NEGRA VADIA/?. Prometendo vingança nos seguintes termos ?/VOU
TE PEGAR NEGãO E TE FAZER VOLTAR PRA TUA TERRA, MACACO/?. Algum
tempo depois deste triste episódio, nos dirigimos a 1ª DELEGACIA DOS
BARRIS, situada na Rua Politeama de Baixo, para registrar ocorrência
sobre o sucedido, cuja audiência está marcada para o dia 13 DE
FEVEREIRO DE 2012. Tentamos ainda acionar outros serviços como a
Delegacia Especial de Atendimento À Mulher ? no Engenho Velho de
Brotas - mas tomamos conhecimento que a Lei Maria da Penha não
contempla esse tipo de agressão, apenas as de fórum doméstico.

  Desta cruel experiência, fica ainda mais nítido que apesar do
Brasil albergar o segundo maior contingente de população negra do
mundo fora de África, de possiur mais de 22,5 milhões de jovens de
ascendência africana em um total de 47,3% (FNUAP[1], 2011) e, no caso
especifico de Salvador, o fato de ser eleita em 2011, a capital
Afro-descendente da Ibero-América. [2] Percebo que a população
negra é quase que invisível, estando entre os grupos populacionais
que enfrentam as maiores desvantagens sociais: exclusão
sócio-econômica e discriminação. Essa parcela da população
também  tem os piores índices de saúde, educação e emprego,
apesar das transformações ocorridas em direção a uma maior
democratização social (INSPIR[3], 1999).

  Devemos levar em consideração que, sendo Salvador uma cidade cuja
maioria dos seus habitantes é negra, essa mesma população é
esmagada pelo racismo e pela sútil negação dos referenciais
civilizatórias de matriz africana. Muito embora exista um enganador
discurso de igualdade racial por conta da mediatização e
mercantilização das culturas negras. Por outro lado, fica também em
evidência um profundo desconhecimento da História de África e das
populações Afro-brasileiras, ao ponto se de acreditar que negros
são cidadãos de terceira-classe. Por isso algumas políticas
públicas voltadas para as populações negras parecem incomodar tanto
determinados grupos sociais. Isso explica o xingamento: ?/VOCê é
UM NEGRO PREGUIçOSO?, /certamente por não estar na portaria de um
prédio ou carregando peso nas costas para garantir o sustento, por
isso negro com formação universitária é sinônimo de preguiça na
visão de alguns. E ainda, o fato de as Nações Unidas ter decretado
2011 como o Ano Internacional dos Afrodescendentes, que serventia teve
tal iniciativa?

  Diante dessas evidências, questiono o falacioso discurso da
ausência de racismo e atitudes de discriminação contra negros na
sociedade soteropolitana, assim como a inexistência de práticas
sociais respaldadas em antigas relações sociais desiguais que
remontam ao período colonial.

  Salvador, 29/01/12

   ORLANDO SANTOS

   SOCIóLOGO

  Mestre em Estudos Étnicos e Africanos

  Estudante de Convênio Brasil-Angola

  (Programa Estudante Convênio de Pós-Graduação - PEC-PG)

  Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da
UFBA

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  [1] Fundo das Nações Unidas Para a População.

  [2] Conclusão saída da declaração final do Encontro
Ibero-Americano do Ano Internacional dos Afro-descendentes (Afro XXI),
realizado de 16 a 19  de Novembro 2011 em Salvador.

  [3] Instituto  Sindical  Interamericano  Pela  Igualdade
Racial.  

2 comentários:

Emiko disse...

Parabéns pelo blog! Excelente!!

Anônimo disse...

Nossa, que absurdo.Muito triste .