segunda-feira, 28 de junho de 2010

Simpósio Memória, (Auto)Biografia e Ruralidades

Prezados colegas,
Encaminhamos informações sobre o Simpósio Memória, (Auto)Biografia e Ruralidades, que acontecerá nos dias 02 e 03 de agosto de 2010, no Teatro UNEB - Sala Caetano Veloso, no DEDC-Campus I e PPGEduC/UNEB.
O Simpósio Memória, (Auto)Biografia e Ruralidades intenciona discutir questões teórico-metodólogicas e aprofundar dimensões vinculadas ás praticas educativas, especificamente nos diversos domínios da pesquisa (auto)biográfica, focalizando saberes biográficos, a historicidade das aprendizagens e os dispositivos de atuação docente em contextos educativos rurais.
O Simpósio é promovido pelo GRAFHO (PPGEduC/UNEB), com apoio da BIOgraph, ASIHVIF, RedNAUE e ANNHIVIF.
As inscrições poderão ser feitas nas seguintes modalidades:
- Participante
- Sessão de Comunicação Coordenada
- Sessão de Comunicação Individual
- Pôster
Período de Inscrições:
De 24/05 a 03/06/2010 - Com apresentação de trabalho (Prorrogadas até 30/06)
De 24/05 a 13/07/2010 - Sem apresentação de trabalho
Na Linha II PPGEduC /UNEB - Secretaria do GRAFHO ou através do e-mail grafho@uol.com.br
 
(71) 3117-2479
Se possível, divulgar em outras listas.
Atenciosamente,
Elizeu Clementino

terça-feira, 22 de junho de 2010

180 anos de Luiz Gama - o precursor do abolicionismo no Brasil

Em 21 de junho de 1830 nascia o grande líder abolicionista Luiz Gama. Apesar da importante contribuição que deu à causa da libertação dos escravos, o que faria dele um dos principais heróis do povo brasileiro, seu nome e feitos continuam praticamente desconhecidos. (leiam ao final desse artigo a carta-biográfica escrita por Luiz Gama em 1880)

Por Augusto Buonicore

Filho de Luiza Mahin, uma africana nagô que era líder do seu povo, e de um fidalgo português. Nasceu livre, mas foi vendido como escravo pelo próprio pai quando tinha apenas 10 anos de idade. Fugiu do cativeiro e ganhou o mundo. Mesmo sem ter diploma universitário, se destacou como grande defensor da causa da liberdade. Sua ação abnegada nos tribunais garantiu a libertação de mais de quinhentos escravos.
Utilizava-se das brechas existentes nas próprias leis escravistas, que não eram respeitadas pelos fazendeiros. A principal delas era a de 1831, pela qual foram declarados livres todos os escravos que ingressassem no país após aquela data.  
Na verdade, esta havia sido uma lei “para inglês ver” e jamais foi aplicada pelas autoridades brasileiras. No entanto, como não foi revogada, continuava em vigor. Gama conseguiu provar que muitos dos negros escravizados deveriam, legalmente, ser considerados homens e mulheres livres. Calcula-se que existiam cerca de 500 mil pessoas nessa infame situação.
Se tais ações fossem vitoriosas e se generalizassem poderiam representar um golpe de morte ao sistema escravista brasileiro. O próprio Ministério da Justiça imperial passou a pressionar os juizes para que não concedessem o pleito dos advogados abolicionistas. Luiz Gama escreveu: “Sou detestado pelos figurões da terra, que já me puseram a vida em risco; mas sou estimado em muito pela plebe. Quando fui ameaçado pelos grandes, que hoje encaram-me com respeito, e admiram minha tenacidade, tive a casa rondada e guardada pela gentalha”. 
Ele era um político radical e estaria à frente daqueles que fundariam o Partido Republicano. Mas, rapidamente, se desentendeu com a maioria conservadora da nova organização. A principal divergência deu-se, justamente, em torno das propostas de abolição dos escravos. Os republicanos ligados aos grandes fazendeiros pregavam uma abolição gradual, com clausulas de permanência do trabalhador no município e indenização aos proprietários. Gama, pelo contrário, defendia a libertação imediata, sem condições e sem indenização. Escreveu ele: “Aos positivistas da macia escravidão, eu anteponho o das revoluções da liberdade; quero ser louco como John Brown, como Espártacus, como Lincoln, como Jesus; detesto, porém, a calma farisaica de Pilatos”.
Certa vez, quatro escravos mataram um fazendeiro e se entregaram à polícia. Logo em seguida, foram linchados por “populares” incitados por escravocratas, com a complacência das autoridades locais. Luís Gama, indignado com a chacina, afirmou: “Eu, que invejo, com profundo sentimento, esses quatro apóstolos do dever, morreria de nojo, de vergonha, se tivesse a desgraça de achar-me entre essa horda inqualificável de assassinos (...) Miseráveis: ignoram que mais glorioso é morrer livre, em uma forca, ou dilacerado pelos cães na praça pública, do que banquetear-se como os Neros na escravidão”. Esta foi mais uma prova do seu profundo compromisso com a causa dos escravos. Vários abolicionistas menos radicais, como Joaquim Nabuco, se chocavam com afirmações belicosas como essas.
Suas posições em defesa da abolição imediata, sem indenização, e da república trouxeram-lhe grandes infortúnios pessoais. Ele e sua família viviam à beira da miséria. As dificuldades, no entanto, não abalaram seus ideais nem o levaram a fazer concessões de princípios. Numa carta dirigida ao filho afirmou, com certa ponta de orgulho: “não se aterrorize com a extrema pobreza que lhe lego, porque a miséria é o mais brilhante apanágio da virtude”. (Veja a carta ao final do texto)
No dia 24 de agosto de 1882 morreu Luís Gama. São Paulo parou. Milhares de pessoas seguiram silenciosamente seu cortejo pelas ruas da cidade. Um jornal afirmou: “jamais esta capital (...) viu mais imponente e espontânea manifestação de dor para por um cidadão”. E continuou descrevendo a cena: “No meio do caminho, grande número de pretos, que tomavam parte no acompanhamento, não consentiu que ninguém mais conduzisse o corpo. E eles revezando-se entre si, conduziram-no pelo resto do caminho”. E pelas mãos dos negros paulistas seu corpo desceu ao túmulo.
Sob inspiração das idéias de Luis Gama, na segunda metade da década de 1880, formou-se uma ampla frente abolicionista — envolvendo escravos, a pequena-burguesia urbana, a jovem burguesia industrial, o proletariado e setores da burocracia de Estado. Um dos catalizadores desse movimento emancipador foi a ação dos próprios homens e mulheres escravizados. Naquele período houve um aumento astronômico no número de rebeliões e de fugas. Estima-se que 1/3 dos 173 mil escravos tenha se evadido das fazendas paulistas apenas nos dois últimos anos que antecederam a abolição. 

Leia, abaixo, a pungente carta autobiográfica escrita por Luiz Gama e endereçada ao seu amigo Lúcio de Mendonça. Ela deveria servir de subsídio para elaboração de um verbete que comporia um Almanaque Literário, editado em 1881.  

São Paulo, 25 de julho de 1880

Meu caro Lúcio

Recebi o teu cartão com a data de 28 do pretérito.
Não me posso negar ao teu pedido, porque antes quero ser acoimado de ridículo, em razão de referir verdades pueris que me dizem respeito, do que vaidoso e fátuo, pelas ocultar, de envergonhado: aí tens os apontamentos que me pedes e que sempre eu os trouxe de memória.
Nasci na cidade de S. Salvador, capital da província da Bahia, em um sobrado da rua do Bângala, formando ângulo interno, em a quebrada, lado direito de quem parte do adro da Palma, na Freguezia de Sant'Ana, a 21 de junho de 1830, por as 7 horas da manhã, e fui batizado, 8 anos depois, na igreja matriz do Sacramento, da cidade de Itaparica.
Sou filho natural de uma negra, africana livre, da Costa Mina (Nagô de Nação), de nome Luiza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã.
Minha mãe era baixa de estatura, magra, bonita, a cor era de um preto retinto e sem lustro, tinha os dentes alvíssimos como a neve, era muito altiva, geniosa, insofrida e vingativa.
Dava-se ao comércio — era quitandeira, muito laboriosa, e mais de uma vez, na Bahia, foi presa como suspeita de envolver-se em planos de insurreições de escravos, que não tiveram efeito.
Era dotada de atividade. Em 1837, depois da Revolução do dr. Sabino, na Bahia, veio ela ao Rio de Janeiro, e nunca mais voltou. Procurei-a em 1847, em 1856 e em 1861, na Corte, sem que a pudesse encontrar. Em 1862, soube, por uns pretos minas que conheciam-na e que deram-me sinais certos, que ela, acompanhada com malungos desordeiros, em uma "casa de dar fortuna", em 1838, fora posta em prisão; e que tanto ela como os seus companheiros desapareceram. Era opinião dos meus informantes que esses "amotinados" fossem mandados por fora pelo governo, que, nesse tempo, tratava rigorosamente os africanos livres, tidos como provocadores.
Nada mais pude alcançar a respeito dela. Nesse ano, 1861, voltando a São Paulo, e estando em comissão do governo, na vila de Caçapava, dediquei-lhe os versos que com esta carta envio-te.
Meu pai, não ouso afirmar que fosse branco, porque tais afirmativas neste país, constituem grave perigo perante a verdade, no que concerne à melindrosa presunção das cores humanas: era fidalgo; e pertencia a uma das principais famílias da Bahia, de origem portuguesa. Devo poupar à sua infeliz memória uma injúria dolorosa, e o faço ocultando o seu nome.
Ele foi rico; e, nesse tempo, muito extremoso para mim: criou-me em seus braços. Foi revolucionário em 1837. Era apaixonado pela diversão da pesca e da caça; muito apreciador de bons cavalos; jogava bem as armas, e muito melhor de baralho, amava as súcias e os divertimentos: esbanjou uma boa herança, obtida de uma tia em 1836; e, reduzido à pobreza extrema, a 10 de novembro de 1840, em companhia de Luiz Cândido Quintela, seu amigo inseparável e hospedeiro, que vivia dos proventos de uma casa de tavolagem na cidade da Bahia, estabelecida em um sobrado de quina, ao largo da praça, vendeu-me, como seu escravo, a bordo do patacho "Saraiva".
Remetido para o Rio de Janeiro, nesse mesmo navio, dias depois, que partiu carregado de escravos, fui, com muitos outros, para a casa de um cerieiro português, de nome Vieira, dono de uma loja de velas, à rua da Candelária, canto da do Sabão. Era um negociante de estatura baixa, circunspeto e enérgico, que recebia escravos da Bahia, à comissão. Tinha um filho aperaltado, que estudava em colégio; e creio que três filhas já crescidas, muito bondosas, muito meigas e muito compassivas, principal-mente a mais velha. A senhora Vieira era uma perfeita matrona: exemplo de candura e piedade. Tinha eu 10 anos. Ela e as filhas afeiçoaram-se de mim imediatamente. Eram cinco horas da tarde quando entrei em sua casa. Mandaram lavar-me; vestiram-me uma camisa e uma saia da filha mais nova, deram-me de cear e mandaram-me dormir com uma mulata de nome Felícia, que era mucama da casa.
Sempre que me lembro desta boa senhora e de suas filhas, vêm-me as lágrimas aos olhos, porque tenho saudades do amor e dos cuidados com que me afagaram por alguns dias.
Dali saí derramando copioso pranto, e também todas elas, sentidas de me verem partir.Oh! eu tenho lances doridos em minha vida, que valem mais do que  as lendas sentidas da vida amargurada dos mártires. Nesta casa, em dezembro de 1840, fui vendido ao negociante e contrabandista alferes Antônio Pereira Cardoso, o mesmo que, há 8 ou 10 anos, sendo fazendeiro no município de Lorena, nesta Província, no ato de o prenderem por ter morto alguns escravos a fome, em cárcere privado, e já com idade maior de 60 a 70 anos, suicidou-se com um tiro de pistola, cuja bala atravessou-lhe o crânio.
Este alferes Antônio Pereira Cardoso comprou-me em um lote de cento e tantos escravos; e trouxe-nos a todos, pois era este o seu negócio, para vender nesta Província.
Como já disse, tinha eu apenas 10 anos; e, a pé, fiz toda viagem de Santos até Campinas.
Fui escolhido por muitos compradores, nesta cidade, em Jundiaí e Campinas; e, por todos repelido, como se repelem cousas ruins, pelo simples fato de ser eu "baiano".
Valeu-me a pecha!
O último recusante foi o venerando e simpático ancião Francisco Egidio de Souza Aranha, pai do exmo. Conde de Três Rios, meu respeitável amigo.
Este, depois de haver-me escolhido, afagando-me disse: "— Hás de ser um bom pajem para os meus meninos; dize-me: onde nasceste?
— Na Bahia, respondi eu. — Baiano? — exclamou admirado o excelente velho. — Nem de graça o quero. Já não foi por bom que o venderam tão pequeno". Repelido como "refugo", com outro escravo da Bahia, de nome José, sapateiro, voltei para a casa do sr. Cardoso, nesta cidade, à rua do Comércio nº 2, sobrado, perto da igreja da Misericórdia.
Aí aprendi a copeiro, a sapateiro, a lavar e a engomar roupa e a costurar.
Em 1847, contava eu 17 anos, quando para a casa do sr. Cardoso, veio morar, como hóspede, para estudar humanidades, tendo deixado a cidade de Campinas, onde morava, o menino Antônio Rodrigues do Prado Júnior, hoje doutor em direito, ex-magistrado de elevados méritos, e residente em Mogi-Guassu, onde é fazendeiro.
Fizemos amizade íntima, de irmãos diletos, e ele começou a ensinar-me as primeiras letras.
Em 1848, sabendo eu ler e contar alguma cousa, e tendo obtido ardilosa e secretamente provas inconcussas de minha liberdade, retirei-me, fugindo, da casa do alferes Antônio Pereira Cardoso, que aliás votava-me a maior estima, e fui assentar praça. Servi até 1854, seis anos; cheguei a cabo de esquadra graduado, e tive baixa de serviço, depois de responder a conselho, por ato de suposta insubordinação, quando tinha-me limitado a ameaçar um oficial insolente, que me havia insultado e que soube conter-se.
Estive, então, preso 39 dias, de 1º de julho a 9 de agosto. Passava os dias lendo e às noites, sofria de insônias; e, de contínuo, tinha diante dos olhos a imagem de minha querida mãe. Uma noite, eram mais de duas horas, eu dormitava; e, em sonho vi que a levavam presa. Pareceu-me ouvi-la distintamente que chamava por mim. Dei um grito, espavorido saltei da tarimba; os companheiros alvorotaram-se; corri à grade, enfiei a cabeça pelo xadrez. Era solitário e silencioso e longo e lôbrego o corredor da prisão, mal alumiado pela luz amarelenta de enfumarada lanterna.
Voltei para a minha tarimba, narrei a ocorrência aos curiosos colegas; eles narraram-me também fatos semelhantes; eu caí em nostalgia, chorei e dormi.
Durante o meu tempo de praça, nas horas vagas, fiz-me copista; escrevia para o escritório do escrivão major Benedito Antônio Coelho Neto, que tornou-se meu amigo; e que hoje, pelo seu merecimento, desempenha o cargo de oficial-maior da Secretaria do Governo; e, como amanuense, no gabinete do exmo. sr. conselheiro Francisco Maria de Souza Furtado de Mendonça, que aqui exerceu, por muitos anos, com aplausos e admiração do público em geral, altos cargos na administração, polícia e judicatura, e que é catedrático da Faculdade de Direito, fui eu seu ordenança; por meu caráter, por minha atividade e por meu comportamento, conquistei a sua estima e a sua proteção; e as boas lições de letras e de civismo, que conservo com orgulho.
Em 1856, depois de haver servido como escrivão perante diversas autoridades policiais, fui nomeado amanuense da Secretaria de Polícia, onde servi até 1868, época em que "por turbulento e sedicioso" fui demitido a "bem do serviço público", pelos conservadores, que então haviam subido ao poder. A portaria de demissão foi lavrada pelo dr. Antônio Manuel dos Reis, meu particular amigo, então secretário de polícia, e assinada pelo exmo. dr. Vicente Ferreira da Silva Bueno, que, por este e outros atos semelhantes, foi nomeado desembargador da relação da Corte.
A turbulência consistia em fazer eu parte do Partido Liberal; e, pela imprensa e pelas urnas, pugnar pela vitória de minhas e suas idéias; e promover processos em favor de pessoas livres criminosamente escravizadas; e auxiliar licitamente, na medida de meus esforços, alforrias de escravos, porque detesto o cativeiro e todos os senhores, principalmente os Reis.
Desde que fiz-me soldado, comecei a ser homem; porque até os 10 anos fui criança; dos 10 aos 18, fui soldado. Fiz versos; escrevi para muitos jornais; colaborei em outros literários e políticos, e redigi alguns.
Agora chego ao período em que, meu caro Lúcio, nos encontramos no "Ipiranga", à rua do Carmo, tu, como tipógrafo, poeta, tradutor e folhetinista principiante; eu, como simples aprendiz-compositor, de onde saí para o foro e para a tribuna, onde ganho o pão para mim e para os meus, que são todos os pobres, todos os infelizes; e para os míseros escravos, que, em número superior a 500, tenho arrancado às garras do crime.
Eis o que te posso dizer, às pressas, sem importância e sem valor; menos para ti, que me estimas deveras.
Teu Luiz.
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Carta-testamento escrita por Luiz Gama para seu filho

Meu filho,
Dize a tua mãe que a ela cabe o rigoroso dever de conservar-se honesta e honrada; que não se atemorize da extrema pobreza que lego-lhe, porque a miséria é o mais brilhante apanágio da virtude.
Tu evitas a amizade e as relações dos grandes homens; eles são como o oceano que aproxima-se das costas para corroer os penedos.
Sê republicano, como o foi o Homem-Cristo. Faze-te artista; crê, porém, que o estudo é o melhor entretenimento, e o livro o melhor amigo.
Faze-te o apóstolo do ensino, desde já. Combate com ardor o trono, a indigência e a ignorância. Trabalha por ti e com esforço inquebrantável para que este país em que nascemos, sem rei e sem escravos, se chame Estados Unidos do Brasil.
Sê cristão e filósofo; crê unicamente na autoridade da razão, e não te alies jamais a seita alguma religiosa. Deus revela-se tão somente na razão do homem, não existe em Igreja alguma do mundo.
Há dois livros cuja leitura recomendo-te: a Bíblia Sagrada e a Vida de Jesus por Ernesto Renan.
Trabalha, e sê perseverante.
Lembra-te que escrevi estas linhas em momento supremo, sob a ameaça de assassinato. Tem compaixão de teus inimigos, como eu compadeço-me da sorte dos meus.
Teu pai Luiz Gama




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domingo, 20 de junho de 2010

"Racismo científico" na Copa do Mundo

por Luiz Carlos Azenha


“O negro é cientificamente mais forte”, disse um ilustre comentarista, em tom de elogio, a respeito da seleção da Costa do Marfim. Um narrador chegou a sugerir que sobra força física mas falta inteligência aos times “africanos”, razão que estaria na base do suposto fracasso das seleções do continente em avançar para a segunda fase.Bem-vindos à cobertura da Copa do Mundo da África do Sul.

Curiosamente, nos dois casos, provavelmente sem saber os “profissionais” reproduziram teorias cujo objetivo era fornecer justificativa intelectual para a ocupação física da África pelo colonialismo europeu.

Resumindo grosseiramente, essas teorias pregavam a superioridade natural dos europeus brancos sobre os nativos, que seriam “fortes”, mas “preguiçosos”, “lascivos” e “intelectualmente inferiores”. Essas constatações serviam, naturalmente, para justificar as ações europeias na África: o controle das terras, dos recursos naturais e a utilização dos negros “fortes” como mão-de-obra escrava ou semi-escrava. Justificavam, inclusive, o controle das rebeliões da mão-de-obra com o uso de métodos violentos (no Congo, os agentes do rei belga Leopoldo cortavam as mãos dos trabalhadores que não cumpriam as cotas de extração de borracha natural).

Os negros, afinal, não eram apenas atrasados. Eram bárbaros, representavam com sua “lascividade” uma ameaça física às mulheres brancas, símbolo máximo da “pureza” da civilização europeia, especialmente na era vitoriana. Vem daí o mito do superpoder sexual dos homens negros (assim como, na Segunda Guerra Mundial, a propaganda americana espalhou o mito de que os orientais são sexualmente pouco dotados em termos de centimetragem).

Para justificar a barbárie, surgiram pseudociências como a frenologia, que pretendia comprovar que as características de um ser humano podiam ser definidas pelas formas da cabeça. Os “cientistas” passaram a se dedicar, por exemplo, a medir o tamanho da cabeça de brancos e negros, encontrando nestes desenhos cerebrais que eram “prova definitiva” de sua inferioridade. Quando os alemães ocuparam as terras do povo herero, no que hoje é a Namíbia, por exemplo, provocaram uma rebelião que foi esmagada com uma guerra de extermínio e a implantação de campos de concentração para a população civil. Destes campos sairam dezenas de cabeças de prisioneiros mortos, remetidas para a Alemanha para “estudos científicos”.

Assim como os campos de concentração foram primeiro implantados na África (pelos britânicos, na guerra contra os bôer, pelo controle do que hoje é a África do Sul), as teorias que mais tarde seriam aplicadas por Josef Mengele em Auschwitz foram “testadas” pelo pai da eugenia, o médico e antropólogo alemão Eugen Fischer, na África.

Dizer, hoje em dia, que todos os africanos são fortes a partir do exemplo de 11 jogadores da seleção da Costa do Marfim é o mesmo que presumir que todos os estadunidenses são gigantes a partir da observação de um jogo de basquete entre os Lakers e os Celtics. Embora os brasileiros dominem há anos as competições de vôlei masculino, não há nenhuma razão para acreditar que sejamos “naturalmente dotados” para a prática do vôlei.

O que os nossos comentaristas, narradores e “jornalistas” deveriam se perguntar é razoavelmente óbvio: por que a seleção da Costa do Marfim é musculosa assim? Será que os africanos nascem com aqueles biceps e triceps “naturalmente” desenvolvidos?

Talvez eles encontrassem explicação no fato de que os jovens jogadores de futebol de alguns países da África — Camarões, Gana e Costa do Marfim, por exemplo — mal fazem estágio em equipes locais antes de ir para a Europa. Muitos destes jogadores são recrutados na pré-adolescência por caça-talentos que servem a escolinhas de formação de jogadores. No caso de Costa do Marfim, por exemplo, a escolinha mais importante do país vende um jogador jovem (18 a 21 anos de idade) para times de segunda ou terceira divisão da Europa por cerca de 600 mil dólares. Como o contato físico no futebol europeu é tido como uma característica do jogo, é apenas natural que tantos os preparadores quanto os próprios atletas trabalhem para “bombar” o físico. Não é diferente com jogadores brasileiros (vide a transformação física do Ronaldo, por exemplo). Muitas vezes um bom jogador brasileiro, como o Neymar, é tido como “muito franzino” para enfrentar o rigor do futebol europeu. E tome musculação, para não falar em hormônios e outros métodos clandestinos.

Pessoalmente acredito que essa é uma tendência suicida para o futebol arte: a produção em massa, em todo o mundo, de super-atletas destinados a suprir as necessidades de mão-de-obra das ligas europeias, jovens precocemente “bombados” e com pouco domínio dos fundamentos básicos do futebol (notem a qualidade bisonha dos chutes a gol na Copa do Mundo da África do Sul). Mas isso é outro assunto.

O que espanta, mesmo, é ver gente com alto poder de influência sobre o grande público repetir, em pleno século 21, preconceitos que nasceram de teorias racistas do século 19. São, afinal, apenas dois séculos de atraso.

Fonte: http://www.viomundo.com.br/opiniao-do-blog/e-depois-ainda-dizem-que...

Título original: E depois ainda dizem que Dunga é o atrasado

sexta-feira, 18 de junho de 2010

"Produtores de Owo" premiado

A TARDE ganha prêmio nacional do Banco do Nordeste de Jornalismo

George Brito A TARDE


A jornalista Cleidiana Ramos recebe, no Ceará, o prêmio na categoria mídia impressa
O caderno especial Produtores de Owó, publicado na edição de 20 de novembro de 2009 do Jornal A TARDE, levou nesta segunda-feira, 14, à noite o prêmio Banco do Nordeste de Jornalismo Nacional na categoria mídia impressa. O caderno já havia sido premiado em âmbito regional. Novamente, o jornal cearense O Povo dividiu a primeira colocação com o jornal baiano, pela série trilogia Autoestima Cearense.

Leia na íntegra aqui http://mundoafro.atarde.com.br/?p=2116

Sem cotas, estatuto da Igualdade Racial é aprovado na CCJ do Senado

Sem políticas de cotas para negros na educação ou no mercado de trabalho, o Estatuto da Igualdade Racial foi aprovado por unanimidade nesta quarta-feira pela CCJ (Comissão de Constituição de Justiça) do Senado, depois de dez anos de tramitação no Congresso.
Apesar de os senadores admitirem que a proposta "não é perfeita nem a ideal", existe acordo entre os partidos para que o texto seja votado ainda hoje no plenário da Casa, para depois seguir à sanção presidencial.
"O acesso à universidade e ao programa de pós-graduação, por expressa determinação constitucional, deve se fazer de acordo com o princípio do mérito e do acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística segundo a capacidade de cada um", argumenta o relator do projeto, Demóstenes Torres (DEM-GO), em seu parecer.
Ele defendeu a agilidade na apreciação do projeto sobre cotas na educação que já tramita no Senado. Afirmou, porém, que as cotas devem ser sociais, e não raciais.
Caíram também os incentivos fiscais a empresas com mais de 20 empregados que mantenham uma cota mínima de 20% de trabalhadores negros, porque seriam uma discriminação reversa contra os brancos pobres, segundo entendimento dos senadores.
A exclusão das cotas provocou reação da plateia --formada principalmente por integrantes de movimentos-- que gritou em coro: "Os traidores serão lembrados, senadores".
Representantes de movimentos de afrodescendentes que acompanharam a votação se disseram frustrados com o esvaziamento do projeto, mas afirmaram que a aprovação é uma vitória para a população negra.
"Identificamos que a não aprovação do estatuto constituiria um entrave à efetiva emancipação e desenvolvimento dos negros deste país", afirmou Nuno Coelho, coordenador nacional do Movimento dos Agentes de Pastoral Negros do Brasil.
Segundo Coelho, o texto é um ponto de partida para que o governo e o Congresso passem a discutir políticas destinadas aos negros. Ele disse que os movimentos já estão articulando com congressistas propostas para cada um dos trechos suprimidos do texto inicial.
Como o projeto é do Senado e já foi alterado e aprovado pela Câmara, os senadores só puderam suprimir artigos e trechos e fazer emendas de redação.
Raça
O relator retirou todas as menções a "raça" do texto, apesar de o termo estar presente no nome do projeto. Demóstenes afirma que a idealização do estatuto partiu do mito da raça, mas "geneticamente, raças não existem".
"Deste modo, em vez de incentivar na sociedade a desconstrução da falsa ideia de que raças existem, por meio do estatuto, o Estado passa a fomentá-la, institucionalizando um conceito que deve ser combatido, para acabar com o preconceito e com a discriminação."
Na mesma linha, a proposta aprovada pela comissão rejeita a expressão "derivadas da escravidão", em artigo que trata da implementação de programas de ação afirmativa destinados a reparar distorções e desigualdades sociais.
A justificativa é que o estatuto deve "olhar para o futuro", buscando a justiça social para todos os injustiçados, sem limitação a descendentes de escravos.
Os senadores também suprimiram do texto o termo "fortalecer a identidade negra", sob o argumento de que não existe no país uma identidade negra paralela a uma identidade branca.
"O que existe é uma identidade brasileira. Apesar de existentes, o preconceito e a discriminação não serviram para impedir a formação de uma sociedade plural, diversa e miscigenada", defende o relatório de Demóstenes Torres.
A população negra não será alvo de políticas de saúde específicas porque, para o relator, é um "total equívoco" acreditar que ela é predisposta a doenças exclusivas. "Mesmo doenças ditas raciais, como a anemia falciforme, decorrem de estratégias evolucionárias de populações expostas a agentes infecciosos específicos. Nada tem a ver com a cor da pele."
A senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) votou em favor do estatuto, mas fez ressalva a esse ponto. "Morrem seis vezes mais mulheres negras no parto do que brancas. Existem, sim, especificidades na população negra."
NOELI MENEZES
DE BRASÍLIA
16/06/2010-13h02 (www1.folha.uol.com.br)

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Estatuto da Igualdade Racial chega "desfigurado" ao Senado

Após sete anos de discussão e muita polêmica, o Senado deve votar hoje um Estatuto da Igualdade Racial esvaziado da proposta original. O projeto, que visa combater a discriminação, será apreciado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e deve ser encaminhado ao plenário com um pedido de urgência para votação no mesmo dia. O texto já havia sido alterado na Câmara dos Deputados e passou por mais uma mudança com o relator Demóstenes Torres (DEM-GO), que rejeitou a expressão “raça” e vetou a exigência de reserva de 10% das vagas em partidos políticos a negros. As modificações desagradaram aos integrantes do movimento negro e ao próprio criador do projeto, o senador Paulo Paim (PT-RS).

As controvérsias ocorrem porque há quem defenda que a legislação devesse ser mais pontual, incluindo a questão das cotas no ensino superior público, por exemplo. Do outro lado, há os que dizem que esses itens criam uma clivagem entre raças, que não existia no país. Essa foi a tese vencedora entre os parlamentares.

A Câmara já havia vetado itens considerados controversos, como a exigência de um porcentual mínimo de afrodescendentes nos meios de comunicação. Na última semana, o senador Demóstenes Torres realizou mais modificações em seu parecer, deixando de fora a criação de políticas nacionais de saúde específicas para negros e incentivos para empresas que tivessem mais de 20% de trabalhadores negros. No parecer, Torres argumenta que “geneticamente, raças não existem. Na medida em que o Estado brasileiro institui o Estatuto da Igualdade Racial, parte-se do mito da raça. Deste modo, em vez de incentivar na sociedade brasileira a desconstrução da falsa ideia (...), por meio do Estatuto referido, o Estado passa a fomentá-la”.

Com base nesta justificativa, o senador orientou a supressão de expressões como “raça”, “identidade negra” e “derivadas da escravidão”. No início do ano, ele criou polêmica em uma audiência no Supremo Tribunal Federal (STF) ao dizer que a miscigenação no Brasil teria ocorrido de forma consensual e não por violência. A reportagem tentou entrar em contato com Tor­res, mas a assessoria de imprensa do parlamentar informou que ele estava em viagem ao interior do estado de Goiás.

O senador Paulo Paim afirma que preferia a aprovação do texto como ele estava antes de ir para a Câmara. “Entendo os críticos, mas estou ao lado daqueles que gostariam que fosse diferente. Ainda assim, entretanto, o conjunto da lei representa a luta contra o preconceito”, afirma. Ele diz que apoia a votação a pedido de integrantes do movimento negro e do governo federal. “Se o racismo não existisse no Brasil, não teríamos precisado da Lei Áurea (que aboliu os escravos)”, completa.

Legado positivo

Para o presidente da Associação Beneficente Afro-Brasileira São Jerônimo e São Jorge, Pai Jorge Kibanazambi, o ponto notório do Estatuto é que ele garante o respeito às religiões de matriz afro, além de elementos como a capoeira. A associação coordenada por ele trabalha desde 1998 para preservar a cultura afro e oferta cursos de culinária, dança e língua iorubá. “Sou filho de duas gerações de mulheres do candomblé e convivi com o preconceito. O racismo existe de forma codificada. Dizem que não, mas todos sabem que existe”.
Fonte: A Gazeta do Povo

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Sem preconceito, nem ódio

Renato Janine Ribeiro - O Estado de S.Paulo
Demétrio Magnoli, analisando um artigo inédito meu, pergunta o que penso do que ele chama "ensino do ódio", que consistiria em criar artificiosamente divisões raciais no Brasil, opondo, num país miscigenado, supostos descendentes puros de brancos a outros puros descendentes de escravos (13/5, A2).
Considero justo beneficiar grupos historicamente discriminados com uma ação afirmativa que reverta a tendência a continuar a discriminação. Isso vale para as mulheres, os negros, os indígenas, os pobres, para citar só algumas categorias. A ação afirmativa, nos EUA, é procedimento mais complexo do que a mera quantificação de beneficiários - que chamamos de "cotas" - e mudou profundamente aquele país. Vejam-se as séries de TV, sempre com negros em posição de destaque, mais que no Brasil. Veja-se o presidente dos EUA.
Apoio, por isso, a política compensatória. Se deixarmos as coisas meramente seguirem seu curso, o preconceito continuará. Mas há cuidados a tomar. Primeiro, uma política de cotas deve ter prazo de validade. Isso porque seu cerne é compensatório. É mais do que um paliativo, mas não muito. Se dermos aos afrodescendentes um bônus de dez pontos num vestibular, ajudaremos os que estão a um passo de passar na prova ? não aqueles, muito mais numerosos, que discriminados estão e assim continuarão. Tornaremos mais multicores as salas de aula, acostumaremos brancos e negros a conviver, teremos mais negros na direção da política e da economia. Isso é bom. Mas não resolveremos a discriminação como um todo.
Por isso sustentei, quando estava na Capes e participei de algumas reuniões no Ministério da Educação sobre a reforma universitária, em 2004, que as cotas não deviam durar mais que dez anos. E também que a nota de corte para os cotistas não fosse muito inferior à dos não-cotistas. Numa certa universidade, tinham entrado cotistas com um quarto da nota dos últimos não-cotistas. Esse caso é injusto, eticamente, e um desastre em termos educacionais.
Não concordo com Demétrio nem com nossa amiga comum Yvonne Maggie, autora com ele e outros do livro Divisões Perigosas, que a diferença entre brancos e negros no Brasil seja de todo artificiosa. Quem me convenceu disso foi Elio Gaspari, num artigo neste jornal há talvez dez anos, em que ele dizia que nunca, para discriminar negativamente os negros, houve grande dificuldade no País. Qualquer porteiro sabe quem ele deve mandar subir pelo elevador de serviço. A dificuldade de saber quem é negro, quem é branco começou quando se cogitou de discriminar a favor - afirmava ele. É por isso que me parecem legítimas as ações afirmativas. Mas só com prazo máximo no tempo e distância justificada nas notas de corte, em torno de 10%, penso eu.
Por que as limitações? Por duas razões. A primeira é que, se é legítimo discriminar afirmativamente quem antes o foi negativamente, caso essa política se perpetue, forçará a criação de grupos ditos raciais, antagônicos entre si ? ou seja, se essas políticas forem radicais, Demétrio e Yvonne acabarão tendo razão e se construirão identidades artificiais, divisões, sim, "perigosas" num país que, afinal, é bastante miscigenado.
A segunda é que, curiosamente ao contrário do que Demétrio parece me atribuir, sou frontalmente contra qualquer exacerbação de identidades. O que acho mais positivo em nosso tempo é termos a liberdade, cada um de nós, de assumir identidades contraditórias e até mesmo provisórias. Antigamente, alguém da classe média paulista, com chance de educação superior, estudaria Direito, Medicina ou Engenharia, casar-se-ia e teria filhos, seria católico e apoiaria, digamos, o Partido Republicano Paulista. Hoje, uma pessoa nessa condição pode fazer cursos bem diferentes, ter filhos ou não, ser heterossexual ou homossexual, pertencer ao partido e à religião que quiser, até ser ateu... Isso é admirável. Nunca tivemos tanta liberdade. Ela traz riscos, porque deixa as pessoas inseguras. Viver na contradição é difícil, mas é mais verdadeiro do que se tornar, cada pessoa, um parque temático. Permite uma realização pessoal maior. Uma das iniciativas que tentei nessa direção foi um projeto de graduação interdisciplinar em Humanidades proposto na USP, que não foi aprovado na universidade, mas tem inspirado projetos de bacharelado interdisciplinar bem-sucedidos em outros Estados. Era um curso que contestava justamente a ideia de identidade.
Por isso mesmo, embora eu aprove o espírito e mesmo a letra de várias medidas preconizadas no Estatuto da Igualdade Racial - na verdade, um projeto que em 70 artigos mencionava a palavra "negro" ou "negra" 79 vezes, subestimando assim outras etnias ?, não acho conveniente uma lei específica que repete o que já está em outras ou exige políticas direcionadas só para uma parte da população, preconizando, por exemplo, "a redução de mortes violentas entre jovens negros". Por que não a redução de mortes violentas entre todos os jovens? Perdemos todos quando se perde o sentido universal que devem ter, como regra, as políticas sociais. Por outras razões, sou um pouco cético quando o estatuto manda ensinar História Africana: nosso ensino básico é tão deficiente que seria melhor reforçar o conhecimento das duas linguagens básicas, o Português e a Matemática, como plataforma para estudar as demais ciências, antes de impor novos conteúdos a professores e alunos.
Finalmente: o meu texto que Demétrio Magnoli analisou não foi publicado. Apresentei-o num colóquio entre pesquisadores brasileiros e britânicos das ciências humanas, fruto de acordo que assinei, em nome da Capes, com a British Academy, que é a equivalente da Royal Society para as ciências humanas e sociais. Os papers deveriam ter sido editados em português e inglês, internacionalizando mais a pesquisa brasileira em humanas e abrindo uma rotina de encontros nossos com os britânicos. Infelizmente, o acordo não teve continuidade. Fico contente que pelo menos um dos artigos então apresentados tenha saído da gaveta, graças à crítica de Magnoli.

PROFESSOR TITULAR DE ÉTICA E FILOSOFIA POLÍTICA DA USP

Link ao artigo original http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100524/not_imp555808,0.php

sábado, 12 de junho de 2010

O insustentável preconceito do ser.



Em Debate

Por Rosana Jatobá


Era o admirável mundo novo! Recém-chegada de Salvador, vinha a convite de uma emissora de TV, para a qual já trabalhava como repórter. Solícitos, os colegas da redação paulistana se empenhavam em promover e indicar os melhores programas de lazer e cultura, onde eu abastecia a alma de prazer e o intelecto de novos conhecimentos.
Era o admirável mundo civilizado! Mentes abertas com alto nível de educação formal. No entanto, logo percebi o ruído no discurso:
- Recomendo um passeio pelo nosso "Central Park", disse um repórter. Mas evite ir ao Ibirapuera nos domingos, porque é uma baianada só!
-Então estarei em casa, repliquei ironicamente.
-Ai, desculpa, não quis te ofender. É força de expressão. Tô falando de um tipo de gente.
-A gente que ajudou a construir as ruas e pontes, e a levantar os prédios da capital paulista?
-Sim, quer dizer, não! Me refiro às pessoas mal-educadas, que falam alto e fazem "farofa" no parque.
-Desculpe, mas outro dia vi um paulistano que, silenciosamente, abriu a janela do carro e atirou uma caixa de sapatos.
-Não me leve a mal, não tenho preconceitos contra os baianos. Aliás, adoro a sua terra, seu jeito de falar....
De fato, percebo que não existe a intenção de magoar. São palavras ou expressões que , de tão arraigadas, passam despercebidas, mas carregam o flagelo do preconceito. Preconceito velado, o que é pior, porque não mostra a cara, não se assume como tal. Difícil combater um inimigo disfarçado.
Descobri que no Rio de Janeiro, a pecha recai sobre os "Paraíba", que, aliás, podem ser qualquer nordestino. Com ou sem a "Cabeça chata", outra denominação usada no Sudeste para quem nasce no Nordeste.
Na Bahia, a herança escravocrata até hoje reproduz gestos e palavras que segregam. Já testemunhei pessoas esfregando o dedo indicador no braço, para se referir a um negro, como se a cor do sujeito explicasse uma atitude censurável.
Numa das conversas que tive com a jornalista Miriam Leitão, ela comentava:
-O Brasil gosta de se imaginar como uma democracia racial, mas isso é uma ilusão. Nós temos uma marcha de carnaval, feita há 40 anos, cantada até hoje. E ela é terrível. Os brancos nunca pensam no que estão cantando. A letra diz o seguinte:
"O teu cabelo não nega, mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega, mulata
Mulata, quero o teu amor".
"É ofensivo", diz Miriam. Como a cor de alguém poderia contaminar, como se fosse doença? E as pessoas nunca percebem.
A expressão "pé na cozinha", para designar a ascendência africana, é a mais comum de todas, e também dita sem o menor constragimento. É o retorno à mentalidade escravocrata, reproduzindo as mazelas da senzala.
O cronista Rubem Alves publicou esta semana na Folha de São Paulo um artigo no qual ressalta:
"Palavras não são inocentes, elas são armas que os poderosos usam para ferir e dominar os fracos. Os brancos norte-americanos inventaram a palavra 'niger' para humilhar os negros. Criaram uma brincadeira que tinha um versinho assim:
'Eeny, meeny, miny, moe, catch a niger by the toe'...que quer dizer, agarre um crioulo pelo dedão do pé (aqui no Brasil, quando se quer diminuir um negro, usa-se a palavra crioulo).
Em denúncia a esse uso ofensivo da palavra , os negros cunharam o slogan 'black is beautiful'. Daí surgiu a linguagem politicamente correta. A regra fundamental dessa linguagem é nunca usar uma palavra que humilhe, discrimine ou zombe de alguém".
Será que na era Obama vão inventar "Pé na Presidência", para se referir aos negros e mulatos americanos de hoje?
A origem social é outro fator que gera comentários tidos como "inofensivos", mas cruéis. A Nação que deveria se orgulhar de sua mobilidade social, é a mesma que o picha o próprio Presidente de torneiro mecânico, semi-analfabeto. Com relação aos empregados domésticos, já cheguei a ouvir:
- A minha "criadagem" não entra pelo elevador social !
E a complacência com relação aos chamamentos, insultos, por vezes humilhantes, dirigidos aos homossexuais ? Os termos bicha, bichona, frutinha, biba, "viado", maricona, boiola e uma infinidade de apelidos, despertam risadas. Quem se importa com o potencial ofensivo?
Mulher é rainha no dia oito de março. Quando se atreve a encarar o trânsito, e desagrada o código masculino, ouve frequentemente:
- Só podia ser mulher! Ei, dona Maria, seu lugar é no tanque!
Dependendo do tom do cabelo, demonstrações de desinformação ou falta de inteligência, são imediatamente imputadas a um certo tipo feminino:
-Só podia ser loira!
Se a forma de administrar o próprio dinheiro é poupar muito e gastar pouco:
- Só podia ser judeu!
A mesma superficialidade em abordar as características de um povo se aplica aos árabes. Aqui, todos eles viram turcos. Quem acumula quilos extras é motivo de chacota do tipo: rolha de poço, polpeta, almôndega, baleia ...
Gosto muito do provérbio bíblico, legado do Cristianismo: "O mal não é o que entra, mas o que sai da boca do homem".
Invoco também a doutrina da Física Quântica, que confere às palavras o poder de ratificar ou transformar a realidade. São partículas de energia tecendo as teias do comportamento humano.
A liberdade de escolha e a tolerância das diferenças resumem o Princípio da Igualdade, sem o qual nenhuma sociedade pode ser Sustentável.
O preconceito nas entrelinhas é perigoso, porque , em doses homeopáticas, reforça os estigmas e aprofunda os abismos entre os cidadãos. Revela a ignorancia e alimenta o monstro da maldade.
Até que um dia um trabalhador perde o emprego, se torna um alcóolatra, passa a viver nas ruas e amanhece carbonizado:
-Só podia ser mendigo!
No outro dia, o motim toma conta da prisão, a polícia invade, mata 111 detentos, e nem a canção do Caetano Veloso é capaz de comover:
-Só podia ser bandido!
Somos nós os responsáveis pela construção do ideal de civilidade aqui em São Paulo, no Rio, na Bahia, em qualquer lugar do mundo. É a consciência do valor de cada pessoa que eleva a raça humana e aflora o que temos de melhor para dizer uns aos outros.
PS: Fui ao Ibirapuera num domingo e encontrei vários conterrâneos...

Rosana Jatobá é jornalista, graduada em Direito e Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, e mestranda em gestão e tecnologias ambientais da Universidade de São Paulo. Também apresenta a Previsão do Tempo no Jornal Nacional, da Rede Globo.
Esse texto é parte da série de crônicas sobre Sustentabilidade publicada na CBN

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Palestras sobre São Tomé e Príncipe


O Prof. Dr. Augusto Nascimento Diniz, vinculado ao Instituto de Investigação Científica e Tropical (Lisboa – Portugal), proferirá duas palestras no PosAfro:

"São Tomé e Príncipe: uma perspectiva histórica do colonialismo moderno" 11 de junho de 2010 (sexta-feira) às 18:30, no auditório Agostinho da Silva

"O legado colonial na configuração do pós-independência em São Tomé e Príncipe" 14 de junho de 2010 (segunda-feira), às 18:30, no auditório Milton Santos

CEAO - Largo 2 de Julho, Salvador - BA

BUALA - cultura africana contemporânea

Apresento-vos o BUALA, o primeiro portal interdisciplinar de reflexão, crítica e documentação das culturas africanas contemporâneas em língua portuguesa, com produção de textos e traduções em francês e inglês. A língua portuguesa, aqui celebrada na diversidade de Portugal, Brasil e África, dialoga com o mundo, para nos conhecermos melhor nas singularidades de todos e nas pontes possíveis.

Em duas semanas de actividade os comentários muito positivos e a adesão dos leitores e colaboradores, de todos os países de língua portuguesa e de muitos outros lugares do mundo, tem sido um sinal de que esta é uma plataforma muito necessária, pondo lado a lado africanos e estudiosos de África, autores conhecidos com novas vozes e as áreas de actuação contaminando-se umas às outras. Quais são os grandes desafios do continente, quem são os protagonistas da cultura africana, como podemos pensar paradigmas novos nas relações de força?

Buala.org pretende inscrever a complexidade do vasto campo cultural africano em acelerada mutação económica, política, social e cultural. Entendemos a cultura enquanto sistemas, comunidades, acontecimento, sensibilidades e fricções. Políticas e práticas culturais, e o que fica entre ambas. Problematizar questões ideológicas e históricas, entrelaçando tempos e legados. No fundo desejamos criar novos olhares, despretensiosos e descolonizados, a partir de vários pontos de enunciação da África contemporânea.

O seu funcionamento vai depender da adesão das pessoas. A nossa equipa é muito reduzida e precisamos sempre de colaboradores e leitores.  Gostaríamos muito que o BUALA crescesse com a participação de todos para criar uma rede de trabalho consistente entre profissionais da cultura e do pensamento, artistas, agentes culturais, investigadores, jornalistas, escritores, curiosos, viajantes, todos estão convidados.

Vimos por isso pedir para divulgarem e unir esforços para o continuarmos juntos, apelando à vossas colaboração: esperamos artigos (publicados ou inéditos), imagens, sugestões para continuar todos os dias a oferecer novidades de conteúdos.

pela equipa do BUALA

Marta Lança
buala@buala.org

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Ilê Axé Opo Afonjá - Ciclos de Festas em 2010

Endereço: Rua Direta de São Gonçalo do Retiro, 557, Cabula, Salvador - BA

Junho
03 - Oxossi
06 - Oxossi
10 - Oxossi
29 - Xangô

Julho
02 - Xangô
05 - Xangô
11 - Yamassé

Setembro
24 - Águas de Oxalá (cerimônia interna)
26 - Primeiro Domingo de Oxalá

Outubro
03 - Segundo Domingo de Oxalá
10 - Terceiro Domingo de Oxalá
11 - Exu
13 - Xangô
17 - Ayabá
18 - Ogun
20 - Oyá e Ibeji
24 - Oxum
25 - Olubajé
31 - Yemanjá

Novembro
04 - Oxossi
07 - Ipetê
08 - 14 Dias de Omolu, Iroko, Apaoká

Comemorações dos 100 anos do Ilê Axé Opo Afonjá

11/06/10 - sexta-feira, às 9:30h, a Assembléia Legislativa da Bahia homenageia os 100 anos do  Ilê Axé Opo Afonjá [ saiba mais ]

13/07/10 - Câmara de Vereadores da Bahia homenageia o centenário do Axé às 09:30h

30/07/10 - Abertura das comemorações no barracão do  Ilê Axé Opo Afonjá, às 19h
Endereço: Rua Direta de São Gonçalo do Retiro, 557, Cabula, Salvador - BA 

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Banco de Dados do IEB USP





Encontra-se disponível no site do IEB o banco de dados Brasil África, contendo informações sobre livros e manuscritos que tratam do continente africano entre os séc. XVI e XIX. Todo o material estará digitalizado até o final deste ano.
Coordenação: Márcia M. Ribeiro

Apoio: FAPESP

Acesse: acervo on-line
 



O Brasil África é um projeto que está sendo desenvolvido no IEB USP desde 2009 com o financiamento da FAPESP, cujo objetivo central é disponibilizar ao público livros e documentos raros do IEB relativos ao continente africano no período que se estende do século XVI ao XIX.

Eis o link

http://www.ieb.usp.br/index.asp

Limiares da Universidade discute ações afirmativas

CEAO - Centro de Estudos Afro-Orientais


De 15 a 16 de Junho de 2010 acontecerá o evento Limiares da Universidade que se propõe a discutir as ações afirmativas na educação e diversidade. A conferência de abertura será no dia 15 de junho, terça feira, das 9h às 10h na Reitoria da UFBA. Na programação constam cinco mesas redondas, com os seguintes temas:  Ações Afirmativas e Diversidade Étnico-Racial na Educação Superior; Diversidade Religiosa e os Desafios da Convivência Universitária; Periferias Urbanas e Educação Superior: implicações da segregação urbana para o acesso e permanência nas universidades públicas; Gênero e Diversidade Sexual: um enfoque sobre convivência e relações de poder na universidade; Panorama das Ações Afirmativas no Brasil: aspectos históricos e legalidade no cenário atual; Inclusão de Pessoas com Deficiência e Educação: Abordagem sobre acess o e permanência na universidade. Maiores informações: www.limiaresdauniversidade.blogspot.com
 
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