segunda-feira, 24 de agosto de 2009

"Não Somos Racistas" - novo blog no pedaço

http://naosomosracistas.blogspot.com/

O blog estréia com o caso Carrefour

ENTREVISTA – JOSÉ JORGE DE CARVALHO

Exclusão racial no Brasil é uma das mais escandalosas do planeta, diagnostica professor da UnB

“Um dos efeitos mais danosos causados pela exclusão é que a nossa grade acadêmica está ficando esclerosada e carente de debates. E não existe renovação sem enfrentamento de posições, para os dois lados crescerem no confronto”, coloca o acadêmico.

Vera Rotta – Carta Maior

BRASÍLIA - A multirracialidade da população brasileira definitivamente não se reproduz nas instituições de ensino brasileiras. No livro “Inclusão Étnica e Racial”, o professor José Jorge de Carvalho, do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB), faz um panorama completo da exclusão racial no Brasil e levanta também uma discussão aprofundada da questão das ações afirmativas para negros no país. “A Universidade brasileira está esclerosada e carente de debates”, resume.

Em entrevista a CARTA MAIOR, Carvalho - que tem pós-doutorado em Antropologia pela Universidade da Flórida (Estados Unidos), é doutor em Antropologia Social e mestre em Etnomusicologia pela Queen’s University de Belfast (Irlanda do Norte) - qualificou a Universidade brasileira como uma das mais excludentes do mundo. Propostas de ações afirmativas devem ser colocadas em prática, segundo ele, o mais rápido possível. Leia abaixo trechos da entrevista com José Jorge de Carvalho.

“A Universidade brasileira é eurocêntrica”
“Um dos efeitos mais danosos causados pela exclusão é que a nossa grade acadêmica está ficando esclerosada e carente de debates. E não existe renovação sem enfrentamento de posições, para os dois lados crescerem no confronto. A Universidade está muito corporativa. É uma rede muito fechada que se auto-reproduz e cai na mesmice. Funciona mais ou menos assim: o colega fez uma coisa que não é original, mas como ele é meu colega há muitos anos e é parente de um outro colega da outra universidade, eu não vou brigar com ninguém e aí fica aquela coisa fechada. Ao colocar a presença de professores negros, a primeira coisa que você percebe é que os currículos são eurocêntricos demais. Isso é escandaloso. No departamento de música, tem 50 a 60 professores - como na UFMG – e é só musica clássica, européia, barroco. E a gente com essa variedade toda de ritmos. Na História da Arte é tudo sobre arte européia. Literatura é só dos países europeus. Em todos os departamentos, psicologia, filosofia. Para onde você olhar, a grade está esclerosada, do ponto de vista da diversidade interna”.

“Em São Paulo a porcentagem de negros é a pior de todas”
“Resolvi fazer a contagem de professores quando descobri que em 20 anos de doutorado na antropologia não havia entrado nenhum aluno negro. Comecei a olhar para os lados e vi que não era só na antropologia, quase não havia aluno negro na pós-graduação como em nenhum outro curso. Se o número de estudantes negro na graduação já é baixo, na pós é muito mais. A pergunta seguinte foi: e entre os professores? Então fizemos uma pesquisa na UnB, que eu chamo de senso de identificação. Várias vezes fizemos a contagem e encontramos 15 professores negros em 1500, [ou seja] 1%. O passo seguinte foi: e nos outros lugares? Em São Paulo, [a porcentagem de negros] é a pior de todas. Eu fiz pesquisa em doze universidades e quando juntei as seis que são na verdade as mais importantes do país, as que têm mais poder, as que são mais poderosas - USP, Unicamp, UFRJ, UFMG, UFRGS e UnB – cheguei à cifra de 0,4% de professores negros. E o poder vem dessa universidades: o ex-reitor da Unicamp, Paulo Renato de Souza, foi ministro da Educação por oito anos; o Cristovam Buarque, da UnB, foi ministro da Educação, o Fernando Haddad, professor da USP, é ministro da Educação; o Carlos Lessa, ex-reitor da UFRJ, vai para o BNDES, ou seja, o poder vem dessas universidades. Essas universidades controlam não só uma grande parte do capital, como também o poder político, as decisões do e sobre o país. Numa população de 45% de negros, isso não tem paralelo no mundo.

“O sistema brasileiro de exclusão racial é um dos mais escandalosos do planeta”
“Se compararmos o Brasil com os outros países que tiveram ação afirmativa, como Estados Unidos, África do Sul, Índia, Malásia, veremos que neles as ações afirmativas foram transversais. Não foi só na graduação, foi na pós também, foi para professores, foi para pesquisadores, além de depois em outros cargos do funcionalismo. Nós ainda estamos apenas discutindo isso só na graduação. Mas isso não resolve. Pode demorar décadas para isso de fato fazer efeito na cabeça da elite. Você entra na Capes, ela é branca, CNPq é branco, Finep, os institutos de pesquisa, Fundação Getúlio Vargas, para onde você olhar a elite é a mesma, saiu do mesmo lugar da UFRJ, da USP da UFMG, da UnB... É o mesmo grupo. O atraso é muito grande. Se deixarmos com o está não teremos nenhuma perspectiva. Vamos virar um verdadeiro motivo de escândalo no planeta. As universidades, no mundo inteiro estão ficando mais multirraciais já do que o Brasil”.

“O racismo nos concursos é muito alto”
“Aqui o problema é crônico. Ainda nos dias do apartheid, as universidades da África do Sul tinham mais professores negros do que as nossas têm agora. Ou seja, a gente acha que o apartheid é esse horror - e foi realmente -, mas a nossa situação é mais excludente. O nosso esquema é pior e sem perspectiva. Não tem saída, a não ser através de cotas. Por exemplo, existem 20 doutores negros na cidade do Rio de Janeiro que não estão dando aulas em federais, estão nas particulares. Na verdade é um sistema muito perverso porque as pessoas se matam para fazer um doutorado em uma universidade publica e depois não conseguem entrar nela porque o racismo dos concursos é muito alto. Um amigo meu do Rio de Janeiro que fez o doutorado conta que quando terminou a defesa, acabou a argüição e todos os professores levantaram para cumprimentar o doutor, um dos membros da banca da Universidade onde ele terminou o doutorado se aproximou e disse: “tudo bem, você tirou seu doutorado, mas aqui você não entra”. O que é isso? Na hora que ele passa no doutorado o pensamento é só seguinte: agora ele é um concorrente. Ele claramente sente isso como um trauma, uma dor, até hoje. Principalmente porque não pôde denunciar. Se você denúncia não tem eco. É uma comunidade branca, hostil e que não vai se sensibilizar não vai se solidarizar, não vai comprar uma briga com outro colega”.

“Inúmeros estudantes negros são reprovados na entrevista”
“Inúmeros estudantes não conseguem entrar no mestrado ou no doutorado porque são reprovados na entrevista. A famosa entrevista. Ela é feita a portas fechadas e a banca depois não diz nada porque na entrevista você dá a nota e não tem testemunha do que foi perguntado. Aí vem aquela alegação de que você não esta dentro do perfil que eles estão procurando. Tem muita coisa complicada. Muito estudante não entra porque não tem um tema de pesquisa, não tem orientadores para o que ele quer pesquisar, porque como a universidade é branca tem muitos temas que os estudantes negros querem estudar e pesquisar e não há professores para orientar. Então é um circulo vicioso”.

“A comunidade negra brasileira é que sofre as conseqüências desse sistema”
“O país é multirracial, mas ele não quer admitir que é. Ele não consegue dar conta da multirracialidade. É uma barreira muito profunda e os danos são imensos. A primeira a sofrer as conseqüências é a comunidade negra. Você não tem políticas públicas, você não tem atenção às carências da com unidade negra porque as pessoas que estão no poder não enxergam, não tem diálogo, não sabem as necessidades dessa comunidade. O segundo ponto - e talvez o mais grave - é a perpetuação do racismo. Você perpetua a discriminação porque todo o estereótipo negativo em relação ao negro é confirmado, porque você não vê profissionais negros em cargos de destaque. Existe muita reclamação de carências de profissionais negros, por exemplo, na medicina, na educação, em muitos temas. Imagina uma medicina voltada para a raça negra”.

“As cotas são fundamentais para mudar o imaginário”.
“Só as cotas não vão resolver amanhã um problema tão grande. Tem que fazer reserva de vagas para professores. Um professor negro que entrar na Universidade de São Carlos, por exemplo, vai ter dinheiro para a pesquisa e vai puxar alunos para orientar. Ele ou ela vai ser chamado para participar de vários debates públicos. E você passa a ter uma outra inserção em espaços cada vez mais importantes nas capacidades de decisão”.

“A meritocracia é uma ideologia para barrar”
“Para professor tem que fazer reserva. Nós já fizemos um cálculo: tem 20 professores com doutorado na área do Rio de Janeiro que estariam preparados para ingressar, para assumir se abrissem vagas preferenciais para professores na UFRJ, na Federal Fluminense, na Federal Rural. Se são 20 no Rio, pode ter 40 em São Paulo, penso que até mais. É preciso fazer esse cálculo. No mínimo, uns 50 em São Paulo. Então já são 70. Mais Minas, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina e Brasília, no mínimo você teria 110 doutores. Se abrissem vagas para assistentes também esse número aumentaria. Poderíamos facilmente colocar 200 professores negros de uma só vez. Seria fantástico. Você começaria a ter uma nova geração para ensinar os alunos negros que estão entrando pelas cotas. Aí você junta os dois. O ponto importante disso é que a comunidade científica como um todo ganha. A disparidade é tão grande que você tem que começar a integrar depressa. E a meritocracia não pode ser o único critério. Nós temos outro critério que é a exclusão racial, que é o racismo mesmo. Ele não pode esperar mais. A África do Sul também não teve que esperar a meritocracia. Era tão alta a exclusão que teve que colocar os professores para fazer o impacto para mudar”.

“Com os índios, a situação é muito pior”
“Nossa situação em relação aos índios é a pior do continente. Nosso genocídio é o maior de todos. Falar da situação dos índios no Brasil é falar de algo muito doloroso. Tem professor indígena na universidade da Colômbia. No Brasil, agora estão começando a entrar alunos indígenas. Os quatro primeiros indígenas brasileiros que estão se formando em medicina na história do Brasil estão se formando em Cuba. Cuba que é muito mais pobre que o Brasil está pagando a nossa dívida com os índios. A primeira vez que na história do Brasil os índios entraram em uma universidade federal para estudar foi na UnB em 2003 quando abrimos as cotas para os índios. Ou seja, passaram vários poderosos no poder, como o Darcy Ribeiro que foi chefe da Casa Civil, e nada. Nunca houve uma abertura das universidades também para os índios. Hoje temos mil e poucos índios na graduação. E eles estão entusiasmadíssimos. A principal reivindicação agora é na área de educação, na formação de quadros. Também aí a meritocracia não pode ser o único padrão. Os indígenas têm muita formação, tem outros saberes, outra leitura do mundo que um jovem mestre branco não tem. Seria enriquecedor. Imaginem os cursos de arte, de filosofia, com esse outro olhar. Os questionamentos vão ser outros. Sem falar nas questões ambientais. Nós temos na UnB um centro de desenvolvimento sustentável. Esse curso tinha que ter professores indígenas, debatendo, questionando. Eu acho que é tão grave que a medida de cotas não é drástica. Drástica foi a realidade. Isso daí é um paliativo”.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

CINQUENTA ANOS DE UM REI

Foto: Mario Cravo Neto

Evento celebra meio século de iniciação do babalorixá Balbino Daniel de Paula

O livro Obaràyí – Babalorixá Balbino Daniel de Paula, que será lançado no dia 27 de agosto, às 19h, no Palácio da Aclamação, terá pré-lançamento especial durante as comemorações do Jubileu de Ouro Aganju – 50 Anos Obaràyí. A festa pública que celebra as cinco décadas de iniciação religiosa de um dos grandes representantes do candomblé será no dia 24 de agosto, segunda-feira, às 10 horas, no Terreiro Ilê Axé Opô Aganju, em Lauro de Freitas. Idealizado e produzido pela Barabô Design Gráfico e Editora, o livro tem patrocínio da Agência Africa, Citéluz e Ministério da Cultura, através da Lei Rouanet.

A festa do dia 27 será assinada pela Barabô Design Gráfico e Editora, em parceria com a Licia Fabio Produções Eventos, e já tem confirmada a presença do presidente da Agência África, Nizan Guanaes e executivos da Citéluz. A obra apresenta um elo entre a cultura africana e brasileira através da história do sacerdote, filho de Xangô, com textos das jornalistas Agnes Mariano e Aline Queiroz e um projeto gráfico que inclui mais de mil imagens. “O livro reforça o que Pierre Verger sempre afirmou: Balbino nasceu com uma estrela, que é o guia que lhe permite seguir dando exemplo de vida, de superação e de construção de novos horizontes, para os que já o conheceram e para os que virão a conhecê-lo”, afirma o presidente da Fundação Pierre Verger, uma das apoiadoras da publicação, Gilberto Sá.

“No dia 24, faremos a entrega oficial da publicação nas mãos de Balbino”, antecipa o diretor executivo da Barabô, Mauro Rossi. No sábado, 22, será aberta exposição com imagens de Pierre Verger que retratam diversos momentos da trajetória de Oraràyí. No mesmo dia do pré-lançamento, haverá avant-premiere do filme O Jardim das Folhas Sagradas, de Póla Ribeiro, que conta com a participação do babalorixá. A programação inclui também uma missa em homenagem ao Jubileu de Ouro na Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia no dia 23 de agosto, domingo, às 10 horas. A programação é aberta ao público.

CINCO DÉCADAS DE OBARÀYÍ

Foto: Mario Cravo Neto

Livro bilíngüe, que será lançado no dia 27 de agosto, narra a trajetória
do babalorixá Balbino Daniel de Paula

Da força das antigas linhagens religiosas da Ilha de Itaparica até o reconhecimento público no Brasil e a reverência no exterior. A história de um dos grandes representantes da religiosidade afro-brasileira ganha as páginas do livro Obaràyí – Babalorixá Balbino Daniel de Paula. A obra, escrita pela jornalista Agnes Mariano, será lançada no Palácio da Aclamação, em Salvador, no dia 27 de agosto, quinta-feira, às 19h. A edição bilíngüe, em português e inglês, também é assinada pela jornalista Aline Queiroz, que empreendeu uma pesquisa sobre as festas do calendário religioso do candomblé. Idealizada e realizada pela Barabô Design Gráfico e Editora e com patrocínio da Agência Africa, Citéluz e Ministério da Cultura, através da Lei Rouanet, a publicação registra através de textos e de mais de mil imagens a riqueza e os detalhes de uma cultura essencialmente oral.

“É uma bênção de Olorum, Xangô e de todos os orixás poder contar a minha história. Saí de Ponta de Areia, de uma infância pobre, batalhei muito e hoje tenho orgulho de servir como inspiração para outras histórias de coragem e fé”, afirma Balbino Daniel de Paula, que acaba de completar cinco décadas de iniciação religiosa. O pré-lançamento da obra será em 24 de agosto, segunda-feira, às 11h, como parte da programação do Jubileu de Ouro – 50 Anos de Aganju, na sede do Terreiro Ilê Axé Opô Aganju, em Lauro de Freitas. No mesmo dia, haverá avant-premiere do filme O Jardim das Folhas Sagradas, de Póla Ribeiro, que conta com a participação do babalorixá.

“A história de Balbino tem a força das lendas. Ele tem plena consciência da importância da tradição que representa, mas assume essa responsabilidade de um jeito só seu. Uma coisa é certa, quem se aproxima dele, cresce”, afirma Agnes Mariano, que entrevistou mais de cem pessoas, inclusive o próprio Balbino, durante os sete anos em que empreendeu a pesquisa que daria origem ao texto sobre o babalorixá. Descobriu relatos de gente como o fotógrafo e etnólogo francês Pierre Verger, o cantor e ex-ministro da cultura Gilberto Gil, políticos, líderes religiosos, artistas, tantos ilustres e tantas pessoas simples em busca da orientação espiritual daquele que foi especialmente escolhido pelos orixás, entidades que representam as energias da natureza, para trazer o axé, a energia vital.

“Eu não fui lá pra consultá-lo nem nada, fui lá com Flora. Nessa ocasião, ele jogou pra ela, pra uma outra pessoa que estava conosco e pra mim. Ele disse que eu ia ser ministro. Como eu me tornei ministro de Xangô, do Opô Afonjá, depois disso, e agora, mais recentemente, ministro da Cultura, então eu achei que acabou tendo uma relevância”, conta Gilberto Gil em depoimento para a publicação.

A determinação e energia desse filho de Xangô Aganju encantou muitos dos que se aproximaram de Balbino desde os tempos de sua juventude. Em qualquer lugar que chegue, seja na Bahia, em cidades do continente africano ou europeu ou em Nova York, o líder religioso que há 36 anos criou o terreiro Ilê Axé Opô Aganju apresenta a mesma postura altiva de rei negro, com suas vestes exuberantes. A casa foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural no ano de 2005.

“A cultura afro-brasileira precisa que exemplos como os de Pai Balbino conquistem cada vez mais visibilidade e sirvam como modelo para as novas gerações”, diz Aline Queiroz. Foi ela a responsável pela segunda parte do livro, que conta detalhes sobre o calendário de festas religiosas do Ilê Axé Opô Aganju, seus ritos e celebrações. Trata-se de uma maneira de apresentar ao leitor uma introdução ao universo ritualístico e ao cotidiano dos terreiros.

LIVRO PARA A COMUNIDADE

Tornar o legado de Balbino Daniel de Paula acessível à comunidade de baixa renda onde está localizado o Ilê Axé Opô Aganju, na Rua do Saketê, em Lauro de Freitas, os filhos-de-santo iniciados na casa receberão um exemplar da obra gratuitamente no dia do lançamento, no Palácio da Aclamação. A publicação também será distribuída para bibliotecas e escolas públicas. “Nosso objetivo é contribuir com a preservação da memória cultural e religiosa da Bahia, do Brasil e do mundo. Por isso, temos um cuidado especial em fazer com que o livro chegue às mãos das pessoas que participam da religião dos orixás diariamente”, afirma o diretor executivo da Barabô Design Gráfico e Editora, Mauro Rossi.

Para guiar o leitor por essa viagem pelo mundo de tradições do candomblé, o designer Dadá Jaques idealizou e desenvolveu um projeto gráfico especial para a publicação de 680 páginas, com enfoque especial para a riqueza de imagens. “Cada uma das fotografias utilizadas tem uma história, uma razão especial para estar ali”, explica Dadá Jaques. Em sintonia com a proposta da obra, os textos também trazem uma linguagem simples e acessível, quase como uma conversa com o leitor. “Queremos mostrar a fé, a beleza e a riqueza plástica e de significados dessas manifestações religiosas. Levar ao público esse conhecimento é também uma forma de incentivar o respeito a essa tradição ancestral”, explica Jaques.


FICHA TÉCNICA

Idealização e coordenação geral: Barabô Design Gráfico e Editora

Realização do evento de lançamento: Licia Fabio Produções Eventos e Barabô Design Gráfico e Editora

Patrocínio: Agência Africa, Citéluz e Ministério da Cultura – Lei Rouanet

Apoio: Associação Beneficente Ilê Axé Opô Aganju, Boa Luz Eco Parque-Hotel, Bomfim, Escritório de Advocacia Antonio José Marques Neto, Fundação Pierre Verger, Itamar Musse Antiquário, LA Pneus, Lícia Fábio Produções Eventos, Oxum Casa de Arte, Palácio de Oxossi e Terreiro Tuntum Olukotun

Coordenador executivo: Mauro Rossi

Textos: Agnes Mariano (Obaràyí – Babalorixá Balbino Daniel de Paula) e Aline Queiroz (Ilê Axé Opô Aganju)

Fotografias: Dadá Jaques, Haroldo Abrantes, Pierre Verger, Mauro Rossi, Marisa Vianna, Lázaro Roberto, Chrissie Wirths, Anísio Carvalho, Arlete Soares, Gerhald Haupt and Pat Binder e Marcel Gautherot

Projeto Gráfico: Barabô Design Gráfico e Editora

Direção de Arte: Dadá Jaques

Tradução: Sabrina Gledhill

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Entrevista com Mãe Stella de Oxossi na Revista Raça

"Em toda vida eu ouvi essa repressão, essa coisa de divisão de raça. E a minha religião, o candomblé, é a que enfatizava mais isso! Só branco poderia fazer parte de determinadas instituições religiosas, mas do candomblé, não! Engano, o candomblé aceita todos que queiram, porque o divino não tem preferência de cor ou raça, ele quer o coração de cada um e a doação de si que é o mais importante. O candomblé é a religião que mais integrou gente, independentemente de cor, procedência ou orientação sexual. Aqui recebemos e respeitamos todos: brancos, pretos, mulatos, japoneses, alemães ou americanos. Seja qual for a sua natureza ou orientação sexual, o que vale para nós é o coração e a doação de si. Aqui é um lugar de doação".
Mãe Stella de Oxossi, Iyalorixá do Ilê Axé Opó Afonjá


Mãe Stella de Oxóssi
Autoridade máxima
Quando se fala na liderança feminina no candomblé, nomes como Iyá Nassô, Iyá Detá e Iyá Kalá são sempre lembrados. Essas mulheres, africanas corajosas, trazidas para o Brasil na época da escravidão, se reuniam ao culto aos seus orixás contra tudo e contra todos.

por mauricio pestana | fotos januário garcia

Nos séculos de cativeiro, elas eram princesas antes de serem escravizadas e enviadas ao nosso país. Tiveram de se utilizar de mil artifícios para conseguir processar a sua fé e, por meio delas, são recontadas histórias de crenças, perseguições e culto dos orixás que resistem ao tempo e ao preconceito. Com os anos, outras dessas mulheres de fibra surgiram no cenário nacional, principalmente na Bahia, entre elas Mãe Aninha, Mãe Senhora e Mãe Menininha do Gantois. Carregando hoje o bastão e responsabilidade está Mãe Stella de Oxóssi, a maior Yalorixá do Brasil. Nascida em Salvador, em 2 de março de 1925, se formou na Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, com especialização em Saúde Pública e exerceu a profissão por mais de 30 anos. Mãe Stella foi a primeira Yalorixá de um terreiro tradicional a combater o sincretismo religioso com a igreja católica.

Desde que assumiu o Ilê Axé Opó Afonjá, em 1975, a casa religiosa transformou-se numa universidade da cultura afro-baiana, tanto que, em 1980, foi fundado por lá o Museu Ohun Lailai, o primeiro de um terreiro de candomblé. Com o mundo acadêmico mais próximo, passou a fazer conferências pelo País e em universidades americanas e inglesas, além de escrever livros sobre o tema. Em entrevista exclusiva, Mãe Stella (autoridade máxima do candomblé no Brasil) fala dos desafios da religião e de sua experiência à frente do Ilê Axé Opó Afonjá, que está prestes a completar 100 anos.

O Ilê Axé Opó Afonjá vai completar 100 anos. Qual o maior desafio para o candomblé nos dias de hoje?
Sem a menor dúvida o maior desafio nos dias de hoje é se manter forte e firme, em uma só corrente, superando todas as adversidades e as nossas diferenças, e nos disponibilizando apenas ao nosso princípio, que é o de servir, superando tudo pela nossa fé e determinação.

Para uma religião com grandes mistérios, como é conviver com algo passado muitas vezes de forma oral, sentindo na pele a manifestação do orixá em um mundo cada vez mais tecnológico, influenciando diretamente a comunicação, que tem na linha de frente a internet?
Isso é outro desafio, porque essas coisas são tentadoras, a globalização trouxe avanços, mas também a necessidade de sermos mais vigilantes, mais responsáveis na questão espiritual. No candomblé nós passamos o que deve ser passado, mesmo porque, as coisas que não são passadas com axé não têm importância nenhuma, não têm valor nenhum, logo, temos a responsabilidade de só passar o que devemos passar de forma verdadeira. E eu garanto: axé não se passa via internet e nem nunca se passará.

Há quase dez anos estive aqui, acompanhando o ministro da cultura, Francisco Belfort, no ato de tombamento do axé como um patrimônio histórico. O que isso influenciou ou melhorou a vida do Axé Opó Afonjá?
Felizmente ficamos livres da especulação imobiliária dos invasores e até mesmo de alguns de nossos filhos, com ideias de remodelação que pudessem chocar com o patrimônio que nós já temos e fazemos força de mantermos da maneira em que Mãe Aninha nos deixou. Melhoramos, limpamos, mas a nossa essência tem de ser a mesma. O tombamento foi válido por isso, temos a certeza hoje da preservação de nossa memória e de nosso axé!

Hoje presenciei de manhã um culto muito bonito: o Amalá de Ogum, o qual muito me emocionou e cuja maioria das pessoas não era negra. Mas já presenciei cultos de religiões, por exemplo, evangélicas, em que a maioria dos adeptos era negra. Com isso, a questão racial está desvinculada da questão religiosa?
Está sim. Em toda vida eu ouvi essa repressão, essa coisa de divisão de raça. E a minha religião, o candomblé, é a que enfatizava mais isso! Só branco poderia fazer parte de determinadas instituições religiosas, mas do candomblé, não! Engano, o candomblé aceita todos que queiram, porque o divino não tem preferência de cor ou raça, ele quer o coração de cada um e a doação de si que é o mais importante. O candomblé é a religião que mais integrou gente, independentemente de cor, procedência ou orientação sexual. Aqui recebemos e respeitamos todos: brancos, pretos, mulatos, japoneses, alemães ou americanos. Seja qual for a sua natureza ou orientação sexual, o que vale para nós é o coração e a doação de si. Aqui é um lugar de doação.

Na atualidade, há um número excessivo de religiões pregando o paraíso de forma rápida e convincente. A salvação virou quase que um negócio para praticantes de diversas religiões. Como a senhora vê isso?
Eu chamo essa coisa de sinal dos tempos. Pelo número que a população do planeta aumentou, evoluiu, as pessoas se tornaram mais aptas à leitura e a certas práticas. Ficou mais fácil para qualquer pessoa que tenha alguma crença dominar algumas informações e se aproveitar da carência do outro, negociando a fé, e isso acontece em todas as religiões, em qualquer lado.

Acontece no candomblé?
Sim, muitos deles caem aqui, fazendo oferendas, fazendo pedidos, e às vezes até de forma velada. Quando é assim, eu faço força para não atender, embora fuja do meu princípio de não atender as pessoas. Mas aqueles que querem ter um mediatismo - onde se consegue e se faz promessa - e um orixá como sagrado, não vamos ganhar. Nós vamos para pedir pela fé e conseguir pelo merecimento.

O axé é frequentado por muitos artistas de todo o País, até do exterior. Também consultam com a senhora políticos influentes, mas porque poucas pessoas da vida pública se assumem como sendo do candomblé?
Isso para mim é ter uma personalidade fraca, porque a pessoa deve assumir a sua prática. Eu faço isso e assumo que sou isso, eu frequento tal lugar e assumo que frequento tal lugar, mas às vezes pela ambição de reconhecimento e status, as pessoas abafam sua crença, embora precisem muito, mas abafam! Eu não apoio, mas como o orixá é sagrado ele está aqui para atender a todos que precisam dele.

"O candomblé aceita todos que queiram, porque o divino não tem preferência de cor ou raça, ele quer coração cada um e a doação de si que é o mais importante"

Como é que a senhora vê os ataques frequentes à nossa religião, ora pelos meios de comunicação, ora de forma física mesmo... Eu sei que até o próprio orixá já sofreu disso..
. Uma coisa que eu apenas peço ao sagrado para nós é que nos dê força e condição, porque essas pessoas não são nem dignas de registro. Para mim essas pessoas não existem, não há ser humano que tenha a capacidade de pensar como ser evoluído, e isso é barbarismo, é loucura. Então, eu peço apenas no pé do orixá que dê seguimento a eles, inteligência e condição para seguir o caminho, sem rebaixar os outros.

Há muito tempo o candomblé ganhou a academia. São centenas de teses de mestrado, doutorado e outros estudos sobre a religião. Existe também quem considere até uma forma filosófica de vida. Qual a sua opinião sobre isso?
Infelizmente, há muita gente que adora aproveitar do símbolo alheio. Nós temos os nossos símbolos e lutamos há milênios com eles, que têm nos segurado. Logo, não apoiamos quem usa os nossos símbolos para ganhar dinheiro, fazer carreira, sucesso ou propagandas das nossas práticas, porém, tem muito trabalho sério que deve e precisa ser apoiado.